O mês de Maio recebeu o Festival Eurovisão da Canção. Como habitualmente, carinhas larocas sem grande conteúdo, brilhos e purpurinas, muitas coreografias iguais e repetidas numa espiral de “somos-todos-iguais-e-inclusivos-com-mensagens-politicamente-correctas-e-ridículas-para-ver-se-ganhamos”.
O festival divide-se sempre em dois grandes grupos. O primeiro, um “YMCA-style” de muitos fluorescentes e licras justinhas ou mamocas e rabiosques ao léu, porque todas queremos ser a Beyoncé ou a Shakira. O segundo, uma tentativa de mostrar que não ligamos nenhuma à estética e que somos todos extremamente desleixados, com camisolas 2 números acima, músicas minimalistas e vozes de quem esteve a chorar há 15 minutos, nos bastidores, antes de entrar em palco. O que as pessoas não sabem é que ambas são máscaras. Uma mais brilhante, outra para mostrar o anti-herói, mas ambas são pensadas, escolhidas e milimetricamente interpretadas.
Desde a vitória de Salvador Sobral que proliferaram os cantores e compositores do segundo estilo… “para ver se pega”. O que se esquecem é que Salvador Sobral não colocou máscara nenhuma e esse foi o segredo da sua vitória. O desleixo, o lado mais anti-social, mais fechado, íntimo, meio freak e espontâneo, era o seu. Os que surgiram depois, com a máscara de Salvador Sobral, não tiveram a mesma sorte, precisamente porque estão a representar um papel e não a cantar a sua essência.
Este último festival, contudo, veio dar-nos uma lição. Uma lição que não veio dos jurados elitistas. Uma lição que não veio das políticas geoestratégicas habituais (as tais dos países vizinhos e com alianças, atribuírem pontos por interesse). Uma lição que veio das massas… do povo. E a lição foi a de que estamos todos um bocadinho fartos do mesmo modelo repetido e maquilhado, em que se dança mais do que se canta. Em que se mostra mais corpo do que letra. Em que retiram os instrumentos, a secção rítmica e os riffs clássicos de guitarra, em honra do fogo de artifício.
Duas das bandas mais votadas pelas pessoas foram o Nu Metal da Finlândia, com os Blind Channel e o seu Dark Side, e os vencedores Maneskin. Os Italianos do Rock, cheios de Glam, de saudosismo, calças à boca de sino, bateria tocada com o coração, guitarra à moda antiga e voz cheia de presença interpretativa. Com mais emoção do que projecção. Com mais alma do que afinação. Sem serem cantores líricos, politicamente correctos ou cheios de mensagens inclusivas, os jovens Maneskin cantaram Zitti e Buoni. Que é o mesmo que dizer “quietos e caladinhos”, acerca de uma geração amordaçada que procura reencontrar-se com a sua essência, enquanto ouve os ralhetes dos velhos do restelo. “Estamos fora de nós, mas diferentes dos outros”, dizem os Maneskin. E, de facto, a diferença deu-lhes o caneco de 2021.
Apesar da estética adequada, a banda mostrou ser mais do que uma Persona eurovisiva. O Rock não se força, sente-se. E toda a Europa sentiu a sua falta. No final do evento, a mensagem passada na Holanda foi a de que o “Rock n Roll nunca morre”. Não poderia estar mais de acordo. Que esta mensagem, encapotada por tanto glamour não se perca e passe todas as fronteiras. Que uma banda que, ainda há pouco tempo, cantava na rua a troco de donativos, nos possa ensinar que não há mal em revisitar o que é bom. Que o Glam renasça. Que o Rock nunca morra. Que se possa alimentar neste inconsciente colectivo, o poderoso e catártico grito de revolta do Rock n’ Roll.