Um Elogio às lágrimas

Numa sociedade que valoriza a força e a dureza como sinais de resiliência, o ato de chorar, é muitas vezes, visto como uma fraqueza. No entanto, as lágrimas são, na sua essência, um dos gestos mais sinceros e humanos. Elas são um reflexo direto do que sentimos por dentro e, de certa forma, um alívio que o corpo nos oferece ao processar emoções intensas.

Há uma beleza intrínseca nas lágrimas, uma expressão pura da nossa vulnerabilidade. Chorar é uma reação instintiva e universal. Desde o primeiro choro de um recém-nascido ao abrir os olhos ao mundo, até às lágrimas de despedida ou perda, elas acompanham-nos ao longo da vida, sublinhando os momentos de maior intensidade emocional. Ligam-nos à nossa essência, recordando-nos que somos seres emocionais e que é legítimo sentir.

Na nossa cultura, talvez por herança do estoicismo, há uma tendência para reprimir as lágrimas, especialmente entre os homens. Frases como “não chores” ou “os homens não choram” incutem desde cedo a ideia de que mostrar fragilidade é algo a evitar. Mas o que ganhamos ao esconder as nossas emoções?

Reprimir o choro, é negar uma parte fundamental de nós. Chorar não é vergonha, é coragem – a coragem de admitir que algo nos tocou de forma profunda ao ponto de as palavras não serem capazes de o expressar.

A ciência corrobora esta visão. Estudos demonstram que as lágrimas têm um efeito terapêutico. Chorar não só ajuda a aliviar o stress emocional, como também promove uma sensação de bem-estar ao libertar substâncias químicas calmantes. É uma resposta natural do corpo para se reajustar após uma turbulência emocional.

Segundo um estudo da Universidade de Harvard, mulheres choram em média quatro vezes por mês, enquanto os homens choram cerca de duas vezes por mês.

Em Werther, quem chora? O jovem apaixonado ou o romântico? Ou será que a “disposição própria do tipo apaixonado é levar-se pelas lágrimas?” (Barthes, 2023).

Para Werther, era irrelevante a censura que ainda hoje perdura, a de que o adulto deve manter-se afastado das lágrimas para não pôr em causa a sua virilidade. Ele seguia as ordens de um corpo apaixonado por uma mulher comprometida.

Os Sofrimentos do Jovem Werther, publicado em 1774, é uma das primeiras e mais importantes obras do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe. Escrito no auge do movimento Sturm und Drang, que exaltava a emoção, o individualismo e a natureza, o livro acompanha a trajetória emocional de Werther, um artista sensível incapaz de lidar com o conflito entre os seus sentimentos avassaladores e a realidade. Werther afunda-se numa espiral de sofrimento que culmina no seu suicídio. Este romance tornou-se num ícone do Romantismo, abordando o tema do amor não correspondido e da melancolia existencial, influenciando gerações de leitores.

Além disso, a obra teve um impacto social significativo, originando o chamado “Efeito Werther”, um fenómeno sociopsicológico que descreve o aumento de suicídios após a divulgação de notícias ou histórias detalhadas sobre o suicídio de uma figura pública, ou fictícia. O termo foi cunhado pelo sociólogo David Phillips em 1974, inspirado pelo impacto do suicídio de Werther na sociedade da época. Jovens imitaram o ato, vestindo-se como o protagonista e utilizando métodos semelhantes para tirar a própria vida.

O “Efeito Werther” continua a ser estudado em contexto moderno. Investigadores mostram como a divulgação sensacionalista de suicídios pode aumentar temporariamente os casos entre grupos vulneráveis. Por isso, organizações de saúde e meios de comunicação seguem diretrizes rigorosas ao noticiar suicídios, para evitar a propagação deste efeito.

No entanto, qual é a origem histórica das lágrimas? Em que sociedades se chorou livremente e desde quando os homens deixaram de poder chorar? Tanto os gregos como as pessoas do século XVII choravam copiosamente no teatro. S. Luís, segundo Michelet, lamentou não ter recebido o dom das lágrimas, afirmando que “parecem-lhe tão saborosas e muito doces, não só ao coração, mas também à boca”. De modo semelhante, em 1199, um monge dirigiu-se a uma abadia cisterciense no Brabante para, pelas suas preces, obter o dom das lágrimas (Barthes, 2023, 71).

Há algo profundamente humano em chorar na presença de outros. Partilhar as lágrimas é um ato de intimidade, um convite para que o outro veja a nossa alma despida, sem máscaras ou defesas. As lágrimas aproximam-nos, criando laços de empatia e compreensão. Quando alguém chora ao nosso lado, sentimos o impulso de consolar, de oferecer um ombro amigo. E, por vezes, esse gesto vale mais do que qualquer palavra.

Apesar disso, nem todos valorizam o ato de chorar da mesma forma. Há quem o considere grosseiro. Nem todas as lágrimas têm o mesmo significado: há quem “tenha lágrimas nos olhos”, quem “rompa em lágrimas”, e outros que “choram todas as lágrimas do corpo”, enquanto alguns acordam com “uma torrente de lágrimas”.

Ainda assim, em última análise, chorar é um ato de aceitação. Se existem tantas maneiras de chorar, é porque cada um de nós, ao dirigir-se a alguém, tem um destinatário diferente. Aceitamos que estamos vivos, que sentimos, e que nem sempre controlamos o que nos acontece. Aceitamos que somos vulneráveis e que, por vezes, a única resposta adequada ao que a vida nos apresenta é deixar as lágrimas correrem.

«As palavras, o que são? Uma lágrima dirá mais».

Aqui fica o meu elogio às lágrimas. Não como um sinal de fraqueza, mas como um símbolo de força emocional e autenticidade. Porque, no fundo, chorar é ser humano.

Barthes, Roland (2023). Fragmentos de um discurso amoroso

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico

Share this article
Shareable URL
Prev Post

De génio e de Louco

Next Post

Joanna Kramer

Comments 13
  1. Chorar é mesmo reajustar o que ficou a seguir a uma forte emoção. É catártico. Parabéns pelo artigo!

  2. Cada gota é um reflexo da alma, uma expressão pura e sincera dos sentimentos mais profundos. Elas nascem no coração, fluem pelos olhos e caem suavemente, como se fossem estrelas cadentes, iluminando o caminho da nossa vulnerabilidade. Em cada lágrima, há uma história, um momento, uma memória que se desdobra em silêncio, revelando a beleza e a fragilidade da nossa humanidade. Parabéns querida Elisabete, pelo teu excelente artigo!

    1. Que reflexão maravilhosa. Soa-me a poesia. Gosto de pensar nas lágrimas como histórias que representam as nossas memórias, de alegria, de tristeza e de raiva. Ainda que haja pudor em revelar a fragilidade em si contidas, não deixo de pensar na beleza emanada. Obrigada pela partilha, Tânia.

  3. As lágrimas são as estrelas que caem dos nossos olhos, refletindo a profundidade dos nossos sentimentos. Cada gota é uma poesia silenciosa, escrita pelo coração. Parabéns pelo excelente artigo, querida Elisabete!

  4. Belo texto. As lágrimas nos lavam, aliviam e nos mostram a sublime – ou nem tanto – arte de ser humano.
    Adorei. Eu também elogio as lágrimas. Parabéns, querida Betha.

  5. Uma chorona aqui presente que apela a que não se reprimam sentimentos. Somos humanos, nascemos para sentir. Excelente artigo ❤️

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

A sala de espera

– Veste o casaco, filha, que lá fora está frio. E fazia ao gesto, auxiliando com o braço. Depois abotoava…