Tínhamos que ir ver este filme, ainda que levássemos connosco a ideia de enfiar um barrete pela certa.
O Top Gun da minha infância era um clássico lá de casa. Mais do que Tom Cruise, mostrou-me Anthony Edwards (Goose) que eu havia visto num filme bem divertido – Gotcha, Um Americano em Berlim – e os clássicos de Otis Redding, Righteous Brothers e Jerry Lee Lewis. Depois havia personagens fortes como Maverick, Ice Man, Charlie e Carole, um ritmo alucinante e uma montanha russa de emoções. Era um bom filme? É um dos filmes da minha vida ainda que possa não ser um grande filme. Se o visse hoje pela primeira vez, seria apenas bom, mas vi-o naquela altura em que as coisas banais se cruzam com a sensibilidade que trazemos à flor da pele.
Revi Top Gun diversas vezes ao longo da adolescência, sendo daqueles filmes que, quando passa na TV, me demoro sempre a acompanhar as cenas que sei quase de cor para, sem o notar, ficar até ao fim.
Antes da estreia, vi as primeiras classificações dadas no imdb (8,7) e no Rotten Tomatoes (96% e 99%) e activei o modo pessimismo: Ou são os putos que gostam dos aviões, motas, estilo e emoções ao rubro a empolar isto, ou são os saudosistas como eu, que não distinguem a sequela e o seu tempo do original inserido nos anos 80.
*** SPOILER***
Na sequência inicial, Maverick tem todas as evocações ao filme de 1986: a abertura com a bateria de mansinho de Harold Faltermeyer (que mais tarde estende a passadeira à guitarrada que se tornou num clássico) e a clivagem para Danger Zone levam-me à banda sonora que a Paula, então adolescente, filha dos meus vizinhos de cima, me gravou de vinil para a cassete e que ouvi até a fita desafinar sob a crepitação de fundo enquanto a agulha “não atinava”; os Ray Ban, o casaco de cabedal sob a t-shirt branca imaculada, a sprint na mota da praxe, o joguinho da bola na praia com os troncos oleados, etc… tudo compondo uma piroseira inimaginável mas que me soube maravilhosamente por ser exactamente àquilo que eu ia.
Não me vou demorar nos detalhes da história excepto, para terminar o spoiler, avisar que esta vem muito decalcada da história original.
*** FIM DE SPOILER***
O que é que Maverick traz então? Não só a oportunidade de ver em cinema (essencial, sobretudo em Cinemax ou Imax) acção e emoções ao rubro (como é difícil, tal como a comédia, vermos um bom filme de acção) como ver um filme cujas personagens, ao contrário do primeiro Top Gun, possuem profundidade, uma história por trás onde ficámos há 24 anos (Maverick estava pronto em 2020, tendo a estreia sido adiada devido à pandemia) e isso faz toda a diferença para quem viu o filme original: contrariamente a então, o perfil de Maverick não nos é desconhecido bem como o seu trauma e o que vemos nesta sequela é a forma como ele lida com os medos. A personagem feminina, Penny (Jennifer Connelly, brilhante como sempre), muito mais personalizada e completa do que Charlie, é um retrato de um tempo que mudou.
Na minha cabeça, comecei a crer que o filme só podia acabar de uma forma, mas afinal não, depois sim, talvez,… enfim: não é mais um filme dos anos 80 e como tal, o cinema de acção (este, tal como o outro, são muito mais do que filmes de acção) tem hoje mais trabalho de personagens e argumento do que há trinta anos. Bom mesmo é ver! Em cinema!