7 FACTOS aborda uma questão que há muito é debatida: um interior cada vez menos povoado e mais envelhecido. Sérgio Godinho situa a obra na sua terra natal, Figueiró dos Vinhos, alertando o leitor para uma realidade que, segundo o autor, tem de mudar.
“Uma estória passa a pertencer ao público assim que é editada”. Em que histórias se baseia o Sérgio para as poder contar, por palavras suas, aos leitores?
Um livro tem de mudar algo. Um livro que não provoca a mudança não significa nada. Esse foi o meu ponto de partida. Mas o que queria eu mudar? Para fazer boa ficção, há que recorrer à realidade. Embora viva em Braga, sou natural de Figueiró dos Vinhos. Essa vila, tal como a maior parte do interior do país, foi apanhada num fenómeno de êxodo rural. Sintoma de um interior despovoado. Envelhecido. Muitas tentativas foram feitas para alterar a situação. Não tiveram sucesso. Eu próprio sou um caso em que o sistema está a falhar. Querendo ajudar a contrariar a situação, nada melhor que um alerta em forma de ficção. Poder ver um futuro possível antes que ele aconteça.
Onde está a maior parte dessas histórias?
Tive várias fontes de inspiração para escrever 7 FACTOS, mas a mais importante foi pensar num “e se” e no “e se” que se seguiria a esse. A imaginação é a fonte de todas as estórias.
Quando a nossa terra natal se torna cada vez mais vazia, o que fica para contar?
Como se reergueu. Onde uns podem ver desastre, eu vejo oportunidade. As cidades estão sobrecarregadas, com a habitação a preços exorbitantes e filas de trânsito que nos roubam tempo que podíamos usufruir dos nossos hobbies. Num mundo cada vez mais digital, a presença física num local começa a ser um fator cada vez menos fundamental. Pode ser que cresça um movimento de descentralização. Um equilíbrio. Eu pretendo ter a minha pequena quota-parte nesse processo.
Como disse, a vila onde o Sérgio nasceu, bem como as que a rodeiam, vê-se cada vez menos povoada. Esta realidade afeta a sua inspiração enquanto escritor?
Sim. É uma situação que me deixa insatisfeito. Algo que me faz procurar a mudança. Dá-me uma causa. Mas não quero ser hipócrita: eu próprio não vivo lá. Eu quero combater algo do qual faço parte. No entanto, tenho conhecimento de várias pessoas próximas de mim que vivem em Figueiró dos Vinhos ou em concelhos semelhantes. Esta situação ajuda-me a ter uma percepção dos dois pontos de vista. Por um lado, vivendo em Braga, estou numa cidade em franco crescimento económico e populacional. Por outro, vejo a minha terra natal a sofrer as consequências de um abandono progressivo. Creio que foi este contraste que me motivou.
Esta questão deu origem ao livro “7 FACTOS” que o Sérgio descreve como sendo uma “distopia do nosso Portugal”. De que “futuro perverso” nos fala esta obra?
É difícil responder a esta pergunta sem revelar pormenores sobre o livro. Escrevi-o como um puzzle, para que os leitores tenham de montar as peças. A melhor opção para aqueles que querem saber qual é esse “futuro perverso” é ler o livro e serem eles próprios a construir a imagem final.
O Sérgio diz que “7 FACTOS espera causar tanta dor quanto seja necessária para encontrar uma cura”. Este livro é, no fundo, um alerta para a população de que o interior do país está em perigo?
O interior do país estar em perigo já não é novidade. É um tema falado há muito e o governo tem desenvolvido algumas iniciativas para o combater. Eu creio que a ficção pode dar uma ajuda. Como tal, não editei este livro para o partilhar apenas pelo meu círculo de amigos. O meu objetivo é levar esta vontade de mudança, em modo fantasia, ao maior número de pessoas possível. Quero que o país sinta a mesma ânsia.
Um livro que aborda esta temática tem dificuldades em posicionar-se no mercado literário português?
O meu livro foi rejeitado por todas as editoras tradicionais, tendo sido editado pelo Amazon KDP. Segundo as respostas que obtive, creio que a rejeição se deve maioritariamente a dois fatores: 1) não sou uma garantia de lucro. O livro e a causa acabam por não ser uma prioridade editorial pelo facto de eu ainda ser um escritor sem nome, prémios nacionais de relevo e não ter o poder comercial de uma figura pública/influencer; 2) a ação ocorre em Figueiró dos Vinhos. “Altera a ação do livro para um grande centro urbano” foi um dos conselhos que ouvi. Na minha opinião, isso seria uma traição à causa. Que sentido faz querer combater o despovoamento do interior e centrar a ação da obra em Alfama ou na Avenida dos Aliados? Dada a causa, Figueiró dos Vinhos é o cenário adequado.
“A narrativa estar centrada nas ruas de Figueiró dos Vinhos é o que me orgulha”. Esta obra é uma forma de dizer ao país que quer que o seu berço dure para sempre?
Por um lado, nada dura para sempre. Por outro, escrever é eternizar. Tenho apenas um desejo: ver aproveitado todo o potencial dos Figueiró dos Vinhos deste país.
Qual é o pior “E se?” que podemos retirar desta história?
Ao ler esta entrevista o leitor poderá ser levado a pensar que 7 FACTOS se trata da história de uma vila vazia. Não podia estar mais errado. O que se passa nas páginas é o que aconteceu depois. O pior “e se”. Desafio os mais curiosos a descobrirem por si mesmos.