A Insegurança Social

Ao abrir um folheto da Segurança Social deparo-me com o seguinte texto: “o Instituto de Segurança Social é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com natureza de Instituto Público (…) tem por missão a gestão dos regimes de segurança social incluindo o tratamento, recuperação e reparação de doenças, ou incapacidades resultantes de riscos profissionais, o reconhecimento dos direitos e o cumprimento das obrigações decorrentes dos regimes e o exercício da acção social (…) os valores são o absoluto respeito pelos direitos, interesses e expectativas dos contribuintes e beneficiários, cortesia, honestidade e respeito pela dignidade de todos os cidadãos, tratamento igual de situações, empenhamento dos colaboradores, entre outros.

Tudo isto fica muito bem no papel porque na prática, além de ser completamente diferente, é uma experiência dantesca, kafkiana e outras imagens que possam adequar-se ao momento. Passo a explicar detalhadamente porque é que este texto foi escrito por um humorista alcoolizado e estafado. Uma vinda a um centro destes é uma experiência inesquecível em todos os aspectos. A quantidade de pessoas que aguardam para serem atendidas é descomunal e muitas delas nem sabem o que lá estão a fazer, tal como os funcionários. Depois de passar a porta existe uma triagem e só depois deste passo é que se é encaminhado para o departamento respectivo. Acresce que é preciso ter fé que, naquele dia, para que a pessoa que está a atender esteja bem disposta e com boa vontade. Felizmente são muitas mas, por oposição, as que o não são fazem toda a diferença negativa, o que é lamentável.

Antes de falar de um caso concreto, cumpre-me fazer aqui umas observações que me parecem pertinentes, no que concerne ao texto acima. Gestão dos regimes é uma expressão forte, implica saber organizar, trabalhar com método e rentabilizar. Não acontece. Por muito que se queira as diferenças existem: uns têm direito a determinados subsídios e outros não e talvez o necessitassem mesmo. O modo como se processa não é o mais justo, ganha o mais esperto e o que se sabe mexer melhor. Sei de um caso de um casal que solicitou subsídio e lhe foi atribuído. Alegavam que não tinham rendimentos. De facto não os apresentaram, mas os filhos estão a estudar num colégio e almoçam fora muitas vezes por semana. Isto não é necessidade, é oportunismo. E há mais, mas isto chega.

Não há fiscalização? Pelos vistos não. Reparação de doenças. É engraçado. Como se repara uma doença? Um carro ainda sei como é possível, apesar de alguns já não terem ponta por onde se lhe pegar, mas uma pessoa, como é feito? Desconheço. Direitos e cumprimento das obrigações também me soa bem. Obrigação é aquilo que somos forçados a fazer, como pagar todos os meses, mas direitos já tem outro valor semântico. Aqui é outra gramática, a do interesse, da unilateralidade. Paga, mas não recebe. Já lá vamos, com calma que eu explico. O absoluto respeito, então, é uma beleza poética que toca o ouvido. Penso que o vocábulo respeito ainda é desconhecido de muitos adultos e é, por isso, que não o podem ensinar aos filhos. Também irão entender, porque é feito este aparte. Cortesia, honestidade e dignidade são lindas palavras que, juntas, fazem um bouquet bem perfumado e que reconforta quem procura estes serviços, mas só na teoria, no papel. Ser cortês está fora de questão, honesto, enfim, se se puder sacar ainda bem e dignidade é uma palavra vã. Quem está à frente do funcionário é alguém que incomoda, logo deve ser despachado, não interessa como.

O caso que vou expor é real e contado na primeira pessoa. Sou trabalhadora independente, há alguns anos e as coisas não têm corrido nada bem. Em 2009 fui sujeita a uma cirurgia e fiquei incapacitada de trabalhar. Efectuei o pagamento do primeiro mês, o que já de si é desonesto e incorrecto e enviei toda a documentação, os respectivos talões de baixa médica, enquanto esta durou. Sabia que não ia receber nenhum subsídio, mas a resposta veio muitos meses depois. Adequado. Passados anos recebo uma notificação em execução de penhoras, avisando que se não pagasse o valor que entendiam, e era elevado podem ter a certeza, me penhoravam os bens. Assim, mal educado, ditador e autoritário. Depois de ter feito prova da minha inocência, ao que chegámos, a resposta recebida não foi um pedido de desculpas, mas sim um “aceitamos a sua reclamação”. Caricato e despropositado. Porém, ainda voltaram a insistir. Claro que foi outro funcionário, cheio de expediente, numa altura em que o governo tinha mudado. Curioso, não é? Do pedido de desculpas nunca vi o rasto sequer.

Entretanto, não satisfeitos com esta façanha, decidiram enviar um documento solicitando a liquidação de valores que eu desconhecia. Mais cartas e mails, mas ninguém se entendia. Recebi uma carta a solicitar a minha presença em Setúbal para falar com uma pessoa especifica. No dia tal, cheguei e fui barrada pelo segurança, um estúpido que mal sabia falar, dizendo que ordens são ordens e aguardei horas. Sim, horas! Com a carta na mão onde estava indicado o nome da pessoa. Irredutível. A estupidez é assim. Não se cura. Finalmente fui recebida por outra pessoa, que me disse que a referida estava de férias. Que me dizem agora? O enredo adensa-se, não é? Só voltava na semana seguinte e só ela é que sabia do que se tratava. Estanque o serviço, como se depreende. Na semana seguinte a senhora estava, mas nada ficou resolvido. Além de extremamente incorrecta e insultuosa, reconheceu que eu tinha razão, mas que não podia fazer nada. Não? Então, quem é que podia? Cargos que não consigo entender e penso que muitos também não. Acabou por se resolver a situação, apesar de me apresentarem valores diferentes para pagar e qual deles o mais disparatado e elevado.

Em 2014, voltei ao hospital e desta vez de urgência. Agora tudo é tratado electronicamente e não podem dizer que falta algum documento. No entanto, mesmo assim conseguem. São determinados e persistentes. Tinha direito a receber o dinheiro da baixa, mas não o recebi, porque conseguiram embrulhar de tal forma a situação que repuxaram o assunto de 2009. Afinal, ainda há quem consiga prejudicar mesmo a sério os contribuintes.  Foi o que aconteceu. E, pasmem, acrescido de juros! Uma batelada de dinheiro.

Tenho por hábito guardar todos os documentos, uma forma de me defender destas situações ingratas, mas de nada serviu. Tinha pago a mais, durante anos, na ordem dos milhares, mas fazem vista pequena, não conta. Só quando lhes interessa. Resultado: uma conta enorme para liquidar e outra carta feia, cheia de ameaças que, infelizmente, são verdadeiras – ou pagava ou bloqueavam a conta bancaria. Isto é duma arbitrariedade que não tem justificação possível nem cabimento. E se não sabem eu explico: a conta bancária bloqueada é um problema sem fim, um inferno que impossibilita  a vida normal de cada um. E conseguem fazê-lo com toda a calma, ultrapassando finanças e advogados. Estamos sempre a aprender.

Como é evidente paguei e antes do limite do prazo. Para mim o assunto estava encerrado. Mais uma vez me enganei. Nem uma semana tinha passado e recebo nova carta, com o mesmo conteúdo, mas acrescido de 1,70 euros, que desencantaram, para ser diferente. Imaginem como fiquei. Dirigi-me aos serviços e consegui alguém atencioso e bem educado que me deu um impresso, mais um, para preencher no sentido de ultrapassar a situação. Juntei o comprovativo do pagamento e tentei pagar o 1,70 euros. Digo bem, tentei. Nem imaginam a resistência que encontrei. As palavras da senhora foram claras: ou pagava tudo ou não recebia, porque não queria chatices. Educada, certo? Atenciosa, não é? Cortês, não se vê logo?

Reportei no livro de reclamações, no dia 5 de Janeiro de 2016 e como não obtive resposta alguma, desculpas não existem como já sabemos, regressei no dia 2 de Fevereiro para nova reclamação no livro amarelo. Até agora não recebi resposta. Dia 17 de Maio voltei, cheia de coragem e vontade à Segurança Social. Estavam bem dispostas e educadas ou então talvez já estejam tão fartas de me ver que o melhor é tratarem-me bem, não sei. Resposta é que continua a não existir. Mais uma vez deixei lembrança no livro -3 páginas de agradecimentos pelo bom trabalho que continuam a desempenhar. Esta ironia é adequada pois são tantas as situações que não pode ser coincidência. É intenção, não é aleatório, é propositado.

Para onde caminhamos? Não gostam que as pessoas digam que os serviços públicos funcionam mal? É a mais pura das verdades! Podia transcrever as palavras com que os presenteei, mas o texto já vai longo e devem conseguir imaginá-las. Tudo isto é uma palhaçada! Há um tempo para responder e esse, mais uma vez não está a ser cumprido. Já passaram 4 meses desde a primeira reclamação. Não haverá ninguém que lhe possa dar seguimento? Parece que não sabem ler ou então não são totalmente analfabetos funcionais, como deixam transparecer. Calam-se para ver se passa, se me canso. Comigo não funciona. Vou insistir, persistir e não desistir, enquanto o assunto não estiver resolvido. Esperemos que tudo se esclareça e ninguém mais fique refém de situações como esta.

Portanto, o que está no papel não corresponde à fotografia. Se fosse na alfândega ficava retido, porque não havia correspondência, mas como é em Portugal continua tudo na mesma e a culpa morre solteira. Ou talvez se case com a incompetência e os padrinhos sejam a falta de educação e a má vontade.

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