Para quem é apreciador de bons diálogos, com conteúdo e de uma profundidade poética e articulada tem neste filme um bom exemplo de delicioso lirismo. Retratando uma realidade um pouco diversa poderão encontrar diálogos igualmente intensos e profundos num outro filme “For Colored Girls” se o quiserem também explorar.
Começo então por localizar a nível geográfico e contextualizar o que envolve este filme sobre o qual vou falar. Algures a meio do século 19, por volta do ano de 1850, na fronteira da costa Este Americana dois casais instalam-se neste local, em momentos diferentes. Estes seguem vidas que espelham o modelo expetável de casal, onde o homem trabalha e a mulher ocupa-se dos seus afazeres habituais de uma mulher, podendo também ter que apoiar nas lides do campo.
Encontramo-nos num local de uma tremenda beleza inóspita, mais acentuadamente no Inverno, apresentando-se por isso como um desafio psicológico para quem vive esta realidade. As distâncias entre propriedades, são proporcionais à “simbólica” distância emocional e por vezes física dentro da dinâmica de cada um dos casais que nos serão apresentados.
Tendo estes realidades distintas, onde o papel de homem e marido divergem de um casal para outro, o de mulher e esposa diferenciam-se de igual modo. No entanto há uma realidade comum: uma quase inexistência de sentimento e aproximação física e emocional entre marido e mulher.
A solidão e o vazio de uma vida insatisfatória bem como a necessidade de se evadir na escrita e num Atlas que naquela altura seria uma forma de ver o Mundo para se permitir viajar nele abrindo estradas e a mente, leva o ser humano senciente a questionar-se e propiciar vivências.
A poesia muitas vezes melancólica de como se vê e se sente a dor de uma perda diftérica incalculável, assim como a descoberta do amor, prazer e estimulação geral dos sentidos estão presentes na verbalização, na escrita e no pensamento.
Um dia cruzam-se os olhares de novas vizinhas, onde a terra e o céu se encontram e quebram-se assim o negrume e o conformismo de uma vida criada pelos outros e para os outros. A luz veio trazer essa vida até então quase inexistente, e a certeza de que não temos que nos conformar com uma realidade vazia e cinzenta, resignadas áquilo que os outros esperam. Nem as portas nem as janelas se fecham quando a felicidade é recíproca.
Espanto e alegria… de sentir. Assim deverá ser a vida de amor, retribuindo a quem nos ama. Deverá ser isso que sentimos quando observamos o que a Natureza nos dá. A vida idealmente deveria ser o espanto de descobrir. Um estado permanente de deslumbramento, de contentamento e emotivo.
Numa casa encontramos uma mulher que pensa, sente e vive o mundo a uma profundidade longínqua da aparente superficialidade de quem a acompanha na caminhada. Dois mundos numa casa só. Há uma certa cobardia para lidar e confrontar-se com emoções mais dolorosas por parte do elemento masculino, em contraste com a entrega total às emoções por parte do elemento feminino, apesar de muitas vezes contidas. Um homem que respeita a sua mulher, inclusive o seu espaço e as suas necessidades. E uma mulher que obedece, sem no entanto perder a sua identidade e a sua vontade.
Na outra casa, temos um elemento feminino que decide a fuga quando confrontada com uma realidade ou verbalização mais violentas ou desconfortáveis por parte do elemento masculino procurando uma realidade mais iluminada e harmoniosa. Sendo que este é um homem que tendencialmente resolverá qualquer situação mais contraditória de uma forma mais física e tem um caráter invulgarmente controlador.
Aqui os homens têm o seu orgulho masculino a defender. Ainda hoje infelizmente nos deparamos com cenários terríveis de homicídios por intolerância ao abandono ou infidelidade tendencialmente perpetrados por homens, fruto de uma falta de evolução emocional e social.
Este filme mostra uma realidade que data de 1850, mas que poderá ser perfeitamente transposta para os dias de hoje. Mais de 150 anos passados e a evolução do Homem é tão ténue…
E sobre os telhados em tábuas de madeira se deitaram para sorrirem juntas para sempre.