Morte. Nem um som. Silêncio total. Negro. Escuridão muda. Um melro calou um pio. Uma pena esvoaça no ar saturado e obscuro. Dor. A brisa empurra a cortina com leveza. A sombra dançava em surdina.
Uma réstia de luz. Choque. Campainha que se cala. Toque. Sussurro de penumbra seca. Fim. Exaustão de resistir. Sopro finalizado e oco. A alma tapa-se de negrito. Cova que se esconde. Soluço que se engole.
Que acontece quando se deixa de existir? O corpo corrompe-se, degrada-se, desaparece na terra carnívora ou nas chamas viperinas, mas a essência continua ou é sublimada? Evapora-se? Rasga-se? Incorpora? Oca?
Há quem defenda a existência de uma alma, a tal partícula que contém em si tudo o que cada um arquivou e conquistou. Outros entendem que a mesma reencarna num outro ser e, mais, tarde, continua a tarefa original. As teorias não se vestem nem arranham o âmago.
Alma. Palavra curta e poética. Existe ou é uma mera ideia que provém das impressões? Será inata e apenas se descobre a sua existência em situações específicas? Alma ou não alma?
Tanta é a vida que as suas questões inerentes, múltiplas, férteis, pululam em universos que se multiplicam sem resposta. O facto de se ser humano impele para a complexidade e ânsia. Viver é natural. Será?
Alma, receptáculo de bondade, de ilusão e de amor. Quentura branda de querer abraçar e de a todos chegar. A alma pura é aquela que se dá em prol de outrem. Bondade que liberta e dá o tom de clemência e de empatia.
Há alturas em que se percepciona uma curiosa sensação de já se ter vivido aquele momento. São as almas antigas que se fundem numa só e planam em patamares de infinitude. Sentir é arrancar uma verdade pessoal.
E se a alma não fosse real, uma mera e tonta ideia de algo que faria humanizar os seres? De quem partiu essa ideia descabida e surreal? A alma paira ou flutua? Reencarna ou recomeça?
O sofrimento, se tal possibilidade houvesse, podia ser retirado à alma que encontrasse outro corpo. Esta seria tão limpa de mágoas que nem uma nódoa de pensar deixaria marca. Nem névoa.
Um piano tecla lamentos em surdina. A harpa encolhe as cordas em meditação. A flauta, num arrependimento profundo, silencia-se na escura depressão. Nuvem que baila hesitante. Pingo que cai desoladamente.
O rouxinol trinou um canto. Sem eco. Soltou o gemido da noite. Suspirou em solidão. A pena preta tocou suavemente a asa do anjo. Este, de tão exausto, cedeu à paixão e, sem mais resistir, desfez-se com ardor.