Ser mãe é, de tudo aquilo que sou, o que mais gosto de ser. Mais do que isso, é das poucas coisas que convictamente planeei e concretizei. Na volatilidade dos desejos infantis, quase tudo mudou, com excepção da minha opção maternal. Este desejo manteve-se, sem data projectada, mas com a certeza de que um dia se realizaria. Mas isto sou eu. Apenas eu.
Percebo, sem qualquer dramatismo, quem opte por não o fazer. E se atentarem na frase anterior, usei a ideia de opção, porque é isto mesmo, uma questão de escolha. Ser-se pai ou mãe não é uma parte integrante duma lista de afazeres obrigatórios, nem sequer como uma lista de supermercado, onde com uma caneta vamos riscando o que já temos no carrinho. Não é, parida a criança, riscada a tarefa do dia, como nos ensinam a fazer nas aulas de gestão do tempo, em que vamos descartando o já feito, como cumprido e enaltecedor da nossa confiança em atravessar o dia de forma produtiva. Até porque no parto começa verdadeiramente a maternidade, a única etapa terminada é o nascimento em si, corporização de 9 meses de expectativa. Não é o fim dum circuito logístico de entrega de encomenda, romanticamente atribuída às cegonhas, mas o início duma missão infinita que é ser-se pai ou mãe. Como me disse um amigo, quando entrei na universidade, difícil não é entrar, é sair dela com o curso completo. Ter filhos, é fácil. Difícil é ser-se Pai.
Não se é mais ou menos pessoa por não se exercer da possibilidade da maternidade /paternidade. Há razões válidas para não o fazer, e ainda que não nos pareçam legítimas, não são contas do nosso rosário. Pode não se ter vocação, pode não ser compatível com estilos de vida mais irregulares em termos de espaço e tempo, pode não se ter encontrado a pessoa certa, pode ter havido desencontros entre a fertilidade e a fase de vida apta a, ou pode, pura e simplesmente, não se querer. E essas pessoas merecem o nosso respeito, sem sequer termos a falta de delicadeza de indagar sobre a razão da sua opção. É assunto do próprio ou do eventual casal.
Tenho conhecido algumas pessoas, quase todas mulheres entre os 30 e os 50, que optaram, por razões várias, em não ser mães, indiferentes ao que a sociedade em geral, ou mesmo o parceiro ou os familiares, ainda de forma persuasiva, esperam delas. Quase, quase, como a obrigatoriedade decretada da série The Handmaid’s Tale, distopia (?) quase real, em que as mulheres férteis são obrigadas a exercer a gravidez para doação a casais estéreis. Mas estas mulheres que conheço, libertas dos dogmas a que se prendem aqueles que não ousam definir a própria vida, e portanto permitindo que outros a definam, geriram as próprias vidas. Como quando não exerces o teu direito de voto, e portanto tens que acatar resultados ditados por terceiros. E se não te impões na tua própria vida, vais-te impor onde, na dos outros? São senhoras de si e das suas vidas. Homens também, conheço alguns que optaram por não ser pais, mas não são habitualmente tão questionados nessa opção, até porque têm um período de fertilidade mais alargado.
Já ter filhos, no sentido de gerar um ser, sem que se dê continuidade a esse interminável papel que é ser-se Pai ou Mãe, me parece de uma falta de valência, para não lhe chamar cobardia gritante. Ser-se progenitor/parideiro (vocábulo que uso para pais que se demitem voluntariamente do seu papel educador e cuidador) é passagem administrativa, não é aprendizagem. Assemelha-se a um capricho, como se se debatessem com o vizinho que tem um carro novo (e eu agora também tenho!), mas não sabem sequer conduzir, que é como quem diz, não sabem ser Pais. Mais do que isso, é de uma irresponsabilidade tremenda gerar um filho para o deixar ao abandono, físico ou emocional, esperando que alguém assuma essa missão, normalmente os avós, ou a própria criança em precoce auto gestão, ou em casos dramáticos, a própria segurança social.
Todos conhecemos progenitores com eficácia comparável aos condutores de fim-de-semana. São pais nos tempos livres, para o passeio e as férias. Banhos, conversas e acompanhamentos dão muito trabalho, exigem paciência que nem sempre temos (mea culpa), são desafiadores, duros e difíceis. Como dizia uma placa num restaurante alentejano: “nã estavas capaz, nã vinhas”. Ou seja, não te metas naquilo que sabes não dar conta. Sobretudo se o fizeste para fazer pirraça ao ex que já tem descendência, ou para ceder a pressões da mãezinha ou da irmã, ansiosas pela extensão da família.
Entregam a encomenda-filho nos avós ou na vizinha ou até em eternas horas no infantário ou na escola, por motivos muito alheios a trabalho ou doença ou algo igualmente crítico e lembram-se deles quando dá jeito, para que se possam vangloriar dos feitos da criança, que tão bem toca violino, ou do jovem que programa como ninguém. Esquecidos das incumbências da opção que tomaram, de exercer a paternidade, cuidam, descuidando, que o universo aprouve a automática resolução do caso, porque eles até já lhe deram vida, o resto que trate outro, que dali já chegou a participação inicial.
Não acho de forma alguma errado que se conte com o apoio dos avós (pessoas imprescindíveis, se presentes), tios ou restantes familiares ou amigos. Acho até muito salutar o convívio, educação e experiências diferenciadas, e habitualmente os avós têm uma disponibilidade mental e de tempo que habilmente complementam as ausências paternais. No entanto e ao contrário do que acontece com os casais que deverão partilhar funções e tarefas de forma igualitária, tem que haver uma clara majoração da responsabilidade dos pais face a terceiros. Afinal, foram eles que geraram a criança.
Recordo uma amiga que disse à filha, quando ela revelou que queria ser professora de ginástica, que ela deveria ser o que quisesse, desde que fosse excelente na sua escolha. Faz as tuas opções, faz é pela sublimidade, ter-lhe-á dito. No caso da paternidade, parece-me um conselho ainda mais válido: se não queres ser pai, óptimo. Mas se queres, não tentes nunca menos do que a primazia, ainda que como humano que és, te seja inerente o erro. Mas a errar, que seja no esforço de ser.