A entrada do Canal Hollywood iluminou a casa por volta dos 14/15 anos, quando o meu pai mandou instalar a TVCabo. A ideia de ter cinema 24 horas deslumbrava-me.
Pouco depois, juntamente com um conjunto de VHSs oferecido pela minha tia, que continham a história dos óscares, descubro, numa biblioteca desordenada que havia no Cascaishopping, um CD-ROM, Cinemania97, que veio desbloquear definitivamente o meu desconhecimento cinematográfico. Foi o melhor investimento da minha vida.

Tantas horas em frente ao computador a ver excertos, críticas de Leonard Maltin, Roger Ebert e Pauline Kael, os óscares, os artistas e o pessoal técnico (quantos argumentistas, compositores, editores não conheci nessas tardes e noites de pesquisa?) levaram-me a afinar o critério de selecção. A internet só entraria em casa no final de 1999; assim, durante três anos o Cinemania97 foi a minha IMDB e através dele entrei Na Sombra e No Silêncio. Conhecia Gregory Peck dos filmes do Canal 2 mas esta obra em particular exerceu um fascínio especial, sobretudo por o CD conter um excerto (sonoro) da alegação final de Peck no tribunal.
Quando vi que o filme passaria no Hollywood não tive dúvidas e talvez tenha sido o primeiro filme a preto e branco que me fez chorar. Realizado por Robert Mulligan, o filme é tão especial e contém tantas particularidades que daria para vários artigos. Em resumo: no Sul da década de trinta, um advogado de uma pequena cidade do Alabama é chamado a defender um negro acusado de violar uma rapariga branca. Em 1962, Gregory Peck levaria finalmente o óscar e quase quarenta anos depois fui levado a procurar o livro que lhe dera origem – Não Matem a Cotovia – e que ainda permanece como o meu preferido.

Parti, então, em busca de outros títulos de Mulligan, e o segundo que vi, veio também pelo Hollywood. Obra de 1991, O Homem da Lua (não confundir com Homem na Lua, com Jim Carrey) traz-nos um retrato nostálgico da adolescência rural no sul dos Estados Unidos por volta dos anos cinquenta/sessenta (?). Com Sam Waterston e Tess Harper, e uma jovem então com quinze anos, Reese Witherspoon, viria a ser o último filme do realizador e mostra-nos, uma vez mais, um olhar triste (e muito belo) sobre o passado: a tristeza, quando bem contada, espalha um charme especial pela arte em que toca.
Os restantes dois filmes que vi vieram pelo torrent, logo, por volta de 2012-2013, os anos em que sacava filmes, uma época em que a minha viagem pelo Cinema teve um novo impulso.

Verão de 42. Um filme de 1971 que cujo título me apaixonou. Uma vez mais, a descoberta do amor, um olhar sobre o passado e os conflitos afectivos de que as vidas se constroem: durante umas férias de Verão numa ilha ao largo do Massachussets, um jovem apaixona-se pela primeira vez, por uma mulher mais velha que aguarda notícias do marido, em guerra na Europa. O piano de Michel Legrand marca o tom da história num belíssimo acompanhamento. Aliás as bandas sonoras dos filmes de Mulligan nunca foram deixados ao acaso: Elmer Bernstein havia marcado Na Sombra e no Silêncio e em 1978, outro homem forte da música para Cinema, Marvin Hamlisch, viria a ser nomeado com The Last Time I Felt Like This, a canção do filme À Mesma Hora Para o Ano que Vem. A história havia-me sido mencionada quase vinte anos antes, no epílogo de um relacionamento: ela falou-me num filme em que um homem e uma mulher, ambos casados, se encontravam uma vez por ano, sempre no mesmo dia, para uma noite de amor. Ellen Burstyn e Allan Alda (que na altura era estrela com a série MASH) formam o par romântico que durante décadas mantiveram a relação em segredo.
Dizer que este nova-iorquino nascido em 1925 não fez muito mais pelo cinema é injusto: além de Amar Um Desconhecido, história que Mulligan filmou logo a seguir a Na Sombra e No Silêncio e que, além de um elenco de luxo encabeçado por Steve McQueen e Natalie Wood, mostra a coragem de, em plena década de sessenta, expor as consequências que one night stand trazem à vida de uma jovem e de um artista (não vi ainda este filme), o facto de ter adaptado a obra de Harper Lee, um dos filmes americanos mais importantes da segunda metade do século vinte justifica, por si só toda a sua carreira. Os quatro filmes que vi de Mulligan não devem nada a ninguém, deixando uma marca própria na história do cinema americano.
