Mais do que um barril de pólvora, a situação na Ucrânia começa a tomar proporções que nos lembram outros problemas actuais (como a Síria), mas, principalmente, outros momentos da história dos últimos séculos, nomeadamente no que se refere à Rússia.
Se lermos atentamente as notícias e os relatos, vamo-nos rapidamente aperceber de tudo o que se está a passar, nomeadamente em relação às movimentações e atitudes russas, não sendo, por isso, muito complexo entender os reais contornos desta crise.
A Ucrânia, de certa forma, representa os restos de um suposto império que já tinha morrido muito antes de se lhe ter feito o funeral. Hoje, mais de vinte anos depois da queda da União Soviética e do fim da Guerra Fria, parece que ainda existem mágoas antigas e ressabiamentos, principalmente do lado russo. O que acontece hoje foi despoletado interiormente na Ucrânia, sem dúvida, mas acordou velhos orgulhos e memórias.
Sejamos honestos, a Rússia continua a ser o enorme país, que, como acontece desde do tempo do czarismo, é gerido por um grupo de oligarcas que mantêm as suas regalias graças à manutenção de um nível de desenvolvimento do país baixo e muito industrial, mas que é, acham eles, a única forma de aguentar o enorme território cheio de recursos naturais fósseis coeso. Putin não é muito diferente de qualquer ex-presidente de qualquer governo Soviético, usando o medo, a propaganda e a repressão de uma forma eficaz, embora mais mascarada.
Gerir um dos maiores países do mundo duma forma em que a oposição nem sequer se manifesta, não é, de todo simples, muito menos, quando estamos a falar de um país maioritariamente asiático em termos de território e com um interior muito atrasado. A Rússia é, essencialmente, um lado ocidental avançado e desenvolvido que carrega, de forma pesarosa, um enorme lado rural e industrial atrasado e envelhecido, cujas fronteiras são pouco potenciadoras de relações complexas, como são a Coreia do Norte e até mesmo a China. O estigma do pós-URSS e a forma como a Guerra Fria foi vivida deixaram obstáculos difíceis de remover nas relações com os EUA e a União Europeia, o que faz com que a Rússia seja um país, apesar de tudo, muito isolado.
Contudo, a Ucrânia tem um valor especial, não só pela ligação histórica com a Rússia, feita principalmente de invasões, mas principalmente porque este grande território tem algumas características económicas muito interessantes, como é o caso da costa do mar negro, da sua indústria avançada e pelo facto de ter terrenos muito férteis e, por isso, ser muitas vezes considerada o celeiro da Europa. Por estas razões, ou simplesmente por um certo ressabiamento pela perda de território, Putin, nos seus jogos de poder, tentou de forma discreta controlar os destinos da Ucrânia, nomeadamente pela influência sobre o presidente deposto, um peão fraco, arrogante e que vivia com mordomias impensáveis para um país que tantas dificuldades económicas ainda sofre.
Putin é um oligarca, é o homem que conseguiu controlar a Rússia do pós-URSS, mas que ainda mantém muitos dos hábitos pouco democráticos característicos doutros tempos. Na sua oscilação formal de poder com Medvedev, um verdadeiro peão, ele perde visão e comete os mesmos erros de outros dirigentes autocráticos, perdendo também a sua influência à medida que os estados à sua volta vão-se tornando mais democráticos e desenvolvidos. Perder este ascendente sobre a Ucrânia confere a Putin mais uma diminuição no panorama geo-estratégico mundial, unicamente porque o que o move é a ganância de poder. Se Putin tivesse permitido uma maior ligação da Ucrânia à União Europeia, hoje estaria, ele próprio, mais ligado ao Ocidente, mas a única coisa que conseguiu foi levar a que os Estados Unidos e a própria União Europeia condenem a atitude da Rússia na questão Ucraniana e estejam já a pensar em sanções, tornando o caso ucraniano num novelo de lã cada vez mais complexo e cheio de nós.
A cada dia que passa, mais a situação na Ucrânia parece longe do fim e uma réplica, ainda, do terremoto que foi o fim do comunismo soviético. Contudo, o que está a ser vivido assusta ainda mais por parecer algo já visto na história dos últimos séculos. No ano em que se relembra o início da Primeira Guerra Mundial, uma nova tensão entre o ocidente e a Rússia é a história a repetir-se e também o reaparecer de alguns fantasmas que ainda pairam sobre a nossa sociedade.