Portugal, este país pacato à beira-mar plantado, tem dos melhores artistas que o mundo viu. Conseguimos, felizmente, exportar um dos melhores guitarristas de sempre – Nuno Bettencourt (Extreme), conseguimos exportar uma das melhores bandas de gothic metal – os Moonspell – e os exemplos não se esgotam. O português sofre de uma rara condição médica chamada de “só-o-que.vem-de-fora-é-que-é-bom”. Quem é músico (como eu também sou), perdeu a conta às vezes que deu concertos com bilhetes a 10€, sem que um único amigo fosse. Isto porque os amigos têm sempre muitas dificuldades financeiras e, ou vão se não pagarem, ou não vão, mas depois são esses amigos que largam 150€ para um golden circle de uma banda internacional.
Em Portugal, pessoa que se preze aponta o dedo ao ministro da cultura em posse. “Não há ajudas” – gritam – “como querem que um músico sobreviva assim” – defendem. “Temos de fazer alguma coisa, Portugal precisa de eventos culturais e musicais” – sublinham. No entanto, quando as bandas locais, os jovens compositores, os artistas que se estão a lançar fazem os seus concertos… “já tinha uma coisa nesse dia”, “hoje está mau tempo, não quero sair à noite”, “não tenho quem fique com o miúdo”, “7€ ainda é um pouco puxado para irmos todos”. A verdade é esta, não podemos projectar no outro a culpa que nos deve ser imputada. A música (como outras áreas da arte em Portugal) está, efectivamente, na rua da amargura. E a culpa é nossa, sim. A culpa é de todos nós que, sentados no sofá, não a apoiamos e moemos uma verborreia injustificada contra o sistema, como se fossemos os velhos dos marretas no camarote do teatro. “Em Portugal não se apoia a cultura”, dizem. E eu pergunto, quantas dessas pessoas frequentam teatros? Quantas dessas pessoas visitam museus? Quantas dessas pessoas apoiam as bandas locais e os compositores nacionais?

Portugal vive uma profunda crise na arte e, mais concretamente na área em que também trabalho, a música, mas por culpa própria. Criou-se uma máquina bem oleada de articulação entre editoras/promotoras e rádios. Um artista independente pode ser o melhor da sua geração, mas nunca chegará à rádio, pois não tem dinheiro para pagar, de forma a estar nas suas playlists. O capitalismo selvagem e doentio também afectou a cultura. E, quando a importância do número supera a importância da arte, estamos à beira do fim. Hoje em dia, são as visualizações que contam, não a qualidade e a técnica do que está a ser exibido. Porque só a venda interessa. E números equivalem a vendas. Todos conhecem o fenómeno Maria Leal por isso mesmo. A Maria Leal, não tendo qualquer competência artística ou conhecimento/técnica musical, acaba por facturar mais do que um licenciado em Jazz que compõe os seus temas e toca em quarteto. Porquê? Porque a Maria Leal tem visualizações. Não importa se essas lhe foram dadas pelo gozo, se foram dadas de modo jocoso e depreciativo. Importa apenas que visualizações trazem dinheiro agregado e, por isso, o investimento se justifica. Perdemos a bitola que nos permitia medir o que julgávamos ser bom. Passámos a investir no mau porque “vende”.

Depois temos o fenómeno das bandas de tributo. Os músicos – e alguns muito bons – precisam de dinheiro. Como todos, temos contas para pagar que não se pagam sozinhas. O que dá dinheiro a nível de circuito de bares neste país? Réplicas de bandas “vivas”, ainda no activo, ainda a facturarem pela sua música e pelas suas digressões. Que fazem estas bandas de tributo? Cópias integrais, desde a imagem, à postura e ao som e réplicas de concertos que vão desde o alinhamento da setlist até às dinâmicas e interacções com o público. A composição em Portugal não compensa, todos sabem que os originais não vendem, então vamos usar – ipsis verbis – tudo o que outra banda que ainda vive disto faz. Se acho decente? Nem um pouco. Se entendo? Penso que sim. A necessidade faz o engenho e o artista em Portugal tem de “se safar” de alguma forma. Já que não pode ser ele mesmo, pois iria passar fome, tenta ser o outro, para ver se no meio do sucesso alheio, algo pinga para si.

Há uma imensa crise de valores na música portuguesa. Portugal tem mais do que “pimba”, “fado”, “kizomba” e “metal”, ainda que – às vezes – não pareça. Os festivais de metal proliferam como cogumelos, ainda que uns tenham muita qualidade e outros, substancialmente menos. Também quem faz metal em Portugal não espera viver disso. Os músicos têm os seus trabalhos e não se importam de ganhar à porta em mais um encontro de fim de semana da comunidade metaleira. Apoio, sem sombra de dúvidas, estas iniciativas ainda que, algumas, deixem um pouco a desejar. O pimba é a única coisa que vende nas festas das aldeias, Santos Populares, etc. A quizomba foi a estrela de todas as importações. Até o pimba se fundiu com este estilo, e temos nomes conhecidos do meio a fazer a junção das duas em algo que não percebo o que será, mas que poderia chamar-se “pizomba” ou “kimba”. O fado é ancestral, património, raiz. É conjugação de influências, rastos do nosso património árabe e, posteriormente, medieval. Mas… e o resto? E a Pop? E o Rock? E o Jazz? Onde andam? Abram os olhos e façam mais pelos artistas portugueses. Não basta colocar um “vou” simbólico num evento de Facebook. Vão! Apoiem! A culpa desta crise não é do “outro”. É vossa.
Tatiana Santos
Psicóloga Clínica
Compositora/Cantora/ Membro da Sociedade Portuguesa de Autores
santostatiana@edu.ulisboa.pt