A emigração portuguesa para o Brasil intensificou-se após a abolição da escravatura e atingiu o seu pico mais alto nas vésperas da Primeira Guerra. Aliado ao contexto político e social da época, o Brasil materializou o sonho do Eldorado que fascinou centenas de milhares de portugueses. Durante décadas, os emigrantes de várias localidades do país saíam da barra do Douro e depois, com a introdução dos vapores, o ponto de largada mudou-se para o Tejo. Os transatlânticos, famosos pela sua grandiosidade e luxo, representavam um sonho para muitos. Para os passageiros da terceira classe, mesmo enfrentando condições difíceis, a travessia simbolizava a oportunidade de alcançar um futuro próspero. No Brasil, estes portugueses ganharam, pelo seu trabalho, a reputação de grandes comerciantes, dominando o comércio de importação e exportação.
Quando alcançavam os seus objetivos de riqueza, eles regressavam à terra natal transformados, passando a ser conhecidos como “brasileiros de torna-viagem”. Os seus hábitos, os seus valores e até mesmo o seu sotaque, faziam deles homens diferentes. Eram facilmente reconhecíveis pelas indumentárias vistosas, chapéus largos, fatos claros e fios de ouro.
Voltavam endinheirados e demonstravam-no, ostensivamente, com comportamentos sociais singulares. Tornaram-se mecenas e benfeitores para com a sua comunidade e país, moldando as sociedades em que se integraram, investindo em negócios e tornando visíveis as suas influências. Deste modo, os “novos-ricos” ganhavam reconhecimento da igreja, comendas civis e por vezes até títulos de nobreza.
O Minho é a região onde mais se evidenciou o regresso do “brasileiro”, particularmente na arquitetura das casas luxuosas que construíram, símbolo de afirmação do seu novo estatuto social. Estas têm um cunho característico denominado por alguns estudiosos de “Estilo Brasileiro”. As fachadas são frequentemente cobertas por azulejos coloridos, ostentam beirais de faiança, varandas com guardas de ferro forjado, platibandas decoradas, claraboias e estatuetas, escadarias de madeiras preciosas, portas e janelas altas encimadas por bandeiras com vitrais coloridos, lustres de cristal e outros detalhes decorativos onde o gosto europeu se cruza com detalhes tropicais. No século XIX, esses elementos eram sinónimo de mau gosto. A apreciação arquitetónica das “casas dos brasileiros” evoluiu, ao longo do tempo, e tem sido reabilitada na sua vertente romântica e como precursora de inovações arquitetónicas.
Vários escritores portugueses escreveram com acidez sobre os retornados brasileiros, tais como Ramalho Ortigão, Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco, autor da “Brasileira de Prazins”. Ana Plácido, a sua mulher, esteve casada em primeiras núpcias com um brasileiro “torna-viagem”. Camilo, em “A Brasileira de Prazins” e em muitos outros romances, pôs a ridículo estes retornados, criando personagens que, apesar da fortuna e das nobilitação (vários foram feitos barões e condes) revelavam as suas origens modestas na rudeza e falta de educação. Também Ramalho Ortigão contribuiu com algumas “Farpas” para a criação deste estereótipo.
A influência que estes emigrantes, regressando ricos do Brasil, exerceram na sociedade portuguesa, é inegável. Entre os grandes mecenas “brasileiros” inclui-se o famoso conde Ferreira, que emigrou para o Brasil em 1800 e, no seu regresso, fez edificar mais de 140 escolas no país com o dinheiro de fortuna que acumulou com o negócio de tráfico de escravos.
Outro foi José Francisco da Cruz Trovisqueira, regressado a Famalicão na segunda metade do século XIX. Ali mandou construir o palacete Barão de Trovisqueira. Aquele homem, que emigrara aos 10 anos para o Brasil, fez do regresso um desafio empreendedor. Edificou uma fábrica de fiação, equipada com tecnologia inovadora para a época e exerceu diversos cargos políticos.
O pai de Bernardino Machado foi também um dos muitos “brasileiros de torna-viagem” do norte de Portugal, que nos anos de oitocentos emigraram para o Brasil, onde enriqueceram, regressando, anos depois, à sua terra natal. A família voltou para Portugal quando Bernardino, futuro Presidente da República, tinha 9 anos.
A famosa “Brasileira do Chiado” foi criada por Adriano Soares Telles do Valle, que emigrou para o Brasil em 1872, ali casando com a filha de um grande produtor de café. Regressado a Portugal em 1898, trouxe com ele o negócio do café, uma bebida até então desconhecida e pouco apreciada pelos portugueses. Encomendou ao arquiteto Manuel Norte Júnior, um dos mais notáveis arquitetos da sua geração, o projeto da fachada, ao estilo parisiense. A decoração faustosa do interior fez de “A Brasileira” um espaço onde se reuniam os ilustres e intelectuais da época.
Outra das empresas portuguesas com origens “brasileiras” é a Agência Abreu, uma das mais antigas agências de viagens do mundo. Encontra-se indissociavelmente ligada à emigração portuguesa para o Brasil: o seu fundador, Bernardo Luís Vieira de Abreu, foi emigrante no Brasil, aí tendo amealhado a riqueza necessária para se instalar como empresário, no Porto, em 1840, onde desenvolveu os seus negócios em estreita articulação com a emigração do Norte de Portugal para o Brasil.
No entanto, para cada um dos afortunados que regressaram ricos, houve centenas de portugueses que morreram no Brasil, muitas vezes na miséria. Outros fundaram empresas que lá prosperaram, como é o caso da Granado, aberta em 1870, no Rio de Janeiro, pelo português José Antônio Coxito Granado, como uma “pharmácia” que transformava extratos vegetais de plantas brasileiras cultivadas pela própria empresa.
Por sua vez, em1930, os primos portugueses Antonio e Mário Santiago fundaram em Belém – no coração da Amazónia – a Perfumaria Phebo, com a visão de criar uma perfumaria com fragrâncias originais.
Ainda hoje, líder no mercado brasileiro de cigarros, a Souza Cruz foi fundada em 1903 pelo imigrante português Albino Souza Cruz.
A famosa Confeitaria Colombo foi inaugurada em 1894 no Rio de Janeiro por dois imigrantes portugueses, Joaquim Borges de Meireles e Manuel José Lebrão, e é uma atração turística da cidade.
Conhecer as aventuras prodigiosas dos brasileiros “torna-viagem” e a sua reinserção complicada no tecido social português da época faz-nos refletir sobre a, sempre atual, permanente tensão entre pessoas que reivindicam particularidades identitárias e traços culturais distintos. As diferenças culturais constituíram desde sempre um desafio à integração e podem mesmo fazer suscitar dinâmicas típicas da xenofobia, como aquelas a que ainda hoje assistimos.
Bibliografia: SANTOS, Eugénio – Os Brasileiros de Toma-Viagem no Noroeste de Portugal, Editora: C. N. C. Desc. Portugueses, 2000
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico