Viena, Uma meia Ilusão

Finalmente aconteceu este Verão a viagem a Viena, que se posicionava como eternamente adiada devido à pandemia, levando-me inclusive a escrever um artigo sobre uma viagem hipotética para o mesmo destino.

Igreja Maria am Gestade

O problema das expectativas elevadas, resultado do que vou projectando de livros e filmes, levou-me a partir para esta viagem com uma exigência que não carregava para Amesterdão, Estocolmo ou Sevilha, os últimos três destinos citadinos que visitei.

A Viena que eu levava na bagagem era a Viena de Zweig, Bernhard e de Antes do Amanhecer, mas sobretudo de Freud e d’O Terceiro Homem. E não me refiro somente à estética ou ao sentimento nas ruas, edifícios e História, mas a uma envolvência psicológica que, com os filmes e leituras, fui formando na minha cabeça, replicando uma Viena que não existe (ou talvez exista nas visões dos autores, nas vidas que por lá aconteceram, num outro tempo, etc…).

Prater

Não ajuda muito o facto de museus e palácios serem algo que dispenso quando toca a conhecer um lugar. Em Viena é quase criminoso não entrar na cagança magnânima do Schonbrunn ou do Hofburg, respectivamente os palácios de Verão e de Inverno da Sissi. Devo dizer que gostei dos dois e a visita não teria sido tão rica se não fosse polvilhada por estas duas viagens aos séculos XVIII e XIX. Como também gostei do Belvedere – mais um palácio arraçado de museu onde se acotovelam turistas em frente a O Beijo – e do Mumok, museu de arte contemporânea (mais ao meu gosto).

Schonbrunn

Mas do que gostei mesmo foi do séc. XX de que fui à procura: a magia do Prater, o Museu Siegmund Freud, o Centro de Documentação da Resistência Austríaca e o Centro Simon Wiesenthal, onde tivemos que tocar à campainha, passar por um detector de metais e mostrar a identificação à entrada enquanto informávamos de onde éramos, antes de podermos visitar as três salas que contavam a vida do grande perseguidor de Nazis.

Igreja de São Francisco de Assis

Mas do que gostei mesmo, mesmo muito, muito mesmo, foi do que nem sempre se conta num relato de viagens: dos mais de 70 kms calcorreados sobre uma cidade plana, sob uma temperatura perfeita embora temperada por alguns borrifos, cidade essa que não era intimista como eu imaginava, nem grandiosa como me haviam dito; dos companheiros de viagem, Sofia, Vítor Patrícia e Amélia, do que vivemos juntos, do que fizemos em separado, da tranquilidade com que os gostos de cada um puderam ser acomodados no grupo ou partirem momentaneamente isolados para que ninguém deixasse por fazer nada de importante que levava na ideia; ou do fantástico apartamento cuja temperatura tropical me levou a dormir por cima dos lençóis toda a noite e todas as noites (algo que nunca acontece em Portugal, nem no pino do Verão).

Ópera de Viena

Ainda que Viena não tivesse alcançado a expectativa que eu levava, conhecer as suas ruas, comer o Schnitzel gigante no Figlmuller ou uma salsicha de queijo picante enfiada no pão comprada num quiosque sob uma tarde tristonha, observar as pessoas, os preços, o vestuário, os hábitos ou comportamentos, entrar nas igrejas (todas à borla), nos cafés, no metro ou no comboio (à chegada, por poucos segundos não apanhávamos o comboio para a fronteira com a Eslováquia – saímos a tempo!)… tudo isso é o que mais me encanta quando parto para férias de cidade.

PS: Esqueci-me da referir a Ópera, mas talvez tenha sido um esquecimento muito freudiano: foi para mim uma experiência fantástica ter estado numa sala como aquela, mas um aviso de amigo: não paguem os bilhetes mais baratos, nem os segundos mais baratos e provavelmente nem mesmo os terceiros mais baratos deverão oferecer uma visibilidade decente. Ou então comprámos lugares para cegos sem saber.

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