Mar,
Metade da minha alma é feita de maresia…
Uma linguagem marcada por sensações líricas e de uma imagética poética fabulosa, como se tratasse de “um mar vasto de palavras e de sensações”, Sophia de Mello Breyner Andresen tem um legado literário que dispensa qualquer apresentação pela qualidade de uma escrita que se destaca por uma beleza lírica das palavras e pela reflexão sempre presente em temáticas como a natureza, a relação do homem com a mesma, bem como a liberdade e justiça social.
Esta poetisa que tive o privilégio de começar a conhecer a sua vasta obra, com apenas 11 anos e um primeiro contacto com o livro “A Menina do Mar” e, mais tarde, “Contos Exemplares”, contagiou-me e surpreendeu-me pela beleza como evoca a natureza, sobretudo o mar que me faz nutrir uma paixão de há muitos anos e que serve também de inspiração para a minha escrita em termos de poesia ou prosa poética.
O mar tem uma simbologia poderosa para a autora Sophia que enfatiza esta ligação do mar com o homem, salientando a dualidade de liberdade e de solidão ao mesmo tempo. Sophia perceciona um mar de vastidão, de poder e de mistério que envolve os “navegadores”, personagens nas suas viagens.
Sophia de Mello Breyner Andresen destacou-se, igualmente no seu tempo, por uma participação ativa na resistência à ditadura de Salazar e pelo seu compromisso vivo de proteção dos valores democráticos e liberdade de expressão.
Para além de poetisa, género onde ganhou maior protagonismo, escreveu também contos: os “Contos Exemplares” e é autora de livros infantis como “O Cavaleiro da Dinamarca”, “A Floresta” “O Rapaz de Bronze” e “A Fada Oriana”, entre outros.
A sua obra poética que me surpreende a cada momento que leio e volto a reler algumas obras como: Poesia (1944), que me acompanha desde sempre nas minhas preferências literárias, ou O Dia do Mar (1947), Coral (1950), No Tempo Dividido (1954) ou mais recentemente: O Nome das Coisas (1977) ou Musa (1994), encontramos o recurso a uma linguagem de um misticismo peculiar, uma natureza conectada de espiritualidade, com incidência no mar que representa a simbologia do desconhecido, e a busca pela transcendência.
A sua escrita é conhecida por expressar, em referência estilística, as emoções e os sentimentos de forma lírica que criam uma atmosfera de contemplação pelo belo e também introspeção.
As memórias e o tempo estão igualmente presentes na sua poesia, na forma de evocar de forma fugaz a vida humana, a reflexão do passado e a ideia de transição. Assistimos a uma obra intemporal, de grande dimensão universal que, supera fronteiras geográficas e congrega sentimentos universais, com os quais a maioria dos seus leitores de diferentes culturas, origens e gerações identificam-se na generalidade.
Sophia consegue transmitir uma linguagem subtil, elevada, envolvente e, ao mesmo tempo, acesa, frontal de defesa dos direitos, sem perder a eloquência e a beleza nas mensagens que nos transmite.
Acresce ainda referir toda a graciosidade da força da palavra e da mensagem subjacente, que são alguns dos aspetos que permeiam a obra poética desta autora e grande “Poetisa” a quem me curvo pela sua inestimável contribuição para a literatura portuguesa e para a poesia que continua a inspirar e a fascinar muitos leitores e apreciadores do seu legado literário.
O mar é a sua maior paixão de contemplação e de liberdade que podemos ver no poema:
Mar
In Poesia, 1ª edição de 1944 e 7ª edição pela Assírio & Alvim (2013)
I
De todos os cantos do mundo
Amo como um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
II
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.
Sophia de Mello Breyner Andresen à semelhança de Fernando Pessoa, um dos meus autores preferenciais, é uma autora que, a partir do momento que somos surpreendidos e tocados pela sua escrita, a mesma estranha-se e depois entranha-se para sempre: “Sophia é e será sempre mar atemporal”.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico