Peço-te que fiques, mais um dia

Fica. Fica, mesmo sem vontade de cá ficar. Fica, mesmo que eu saiba que tudo o que querias era partir. É egoísta da minha parte pedir-te que fiques? É que eu já estive desse lado, e gostava de fazer por ti o que fizeram por mim. Não vou fingir que sei o que é estar na tua pele, mas sei o que é não ver a luz ao fundo do túnel. Sei o que é querer parar de caminhar porque não sabes para onde vais, e honestamente já estás demasiado cansada de tentar vezes e vezes sem conta, e parece que nada resulta.
Sei que a dor é tanta, e que lá no fundo só querias que ela parasse, custe o que custar. E o pior é que parece que quem está à volta não compreende. Talvez não percebam como funciona o cérebro de alguém com doença mental, mas eu vou tentar explicar.
Quando a depressão chega, traz com ela muitos medos e desconfianças. Traz a desesperança em relação ao futuro e às nossas relações com os outros. Traz a perda da autoestima e o nojo de quem vemos no espelho. Traz as dúvidas existenciais numa mente atribulada dentro de um corpo imóvel. Como é possível ser tão difícil o simples acto de levantar da cama? Como se tornou exaustivo o lavar os dentes e tomar banho, ou meter uma máquina de roupa a lavar? Chamam-nos preguiçosos, mas a ciência mostra que tudo isto são sintomas de doenças, e não falta de brio. Mas como era expectável que alguém que – não bem, não dorme bem, não tem atenção e memória – fosse 100% funcional na sua rotina?
A agonia e a melancolia de mão dadas escurecem os dias. Tudo o que antes te dava gosto de viver, hoje já não é o que era. Da escola, ao trabalho, à família – um pouco por todos os contextos da nossa vida vão sendo afetados, e o insucesso nessas tarefas só vem reforçar a ideia de que não somos bons o suficiente, e que as pessoas e o mundo ficariam melhores sem nós. É que antes, as pessoas faziam-nos sorrir e vice-versa, hoje parece mais fácil deixá-las ficar na sua vida do que incomodar com os nossos problemas. E por isso, aos poucos vamos nos isolando; e não há nada pior do que ficar sozinhos com a nossa mente, quando ela só nos manda para baixo. Os dias vão passando, e as poucas razões que nos mantém por cá são as pessoas que amamos e como elas poderiam sentir-se culpadas com a nossa partida. Vamos deixando andar sem partilhar com alguém, porque pedir ajuda ainda é sinal de fraqueza; até que chega o dia em que não aguentamos mais e colocamos o plano em acção.
Foi o que aconteceu comigo há 11 anos. O meu desfecho foi positivo, felizmente sobrevivi e pude ser obrigada a ter a ajuda que precisava. Não vou embelezar o processo de tratamento, mas posso dizer-te que com acompanhamento em psiquiatria e psicologia, a vida é tão melhor do que alguma vez sonhei. E é por isso que te peço para ficares. Fica, porque ao dia de hoje nunca saberemos o que nos aguarda o amanhã. Fica, porque o sol pode nascer mais bonito do que nunca. Fica, porque ainda há tantos pratos que nunca experimentaste. Fica, porque há pessoas incríveis que ainda não conheceste. Fica, porque há lugares maravilhosos que nunca visitaste. Fica, porque há projectos e campanhas que precisam de ti. Fica, porque o mundo é melhor contigo nele. Fica, porque não sabemos se há vida além desta, e deves a ti mesma o explorar o potencial que a vida tem para te dar. Fica, simplesmente porque uma estranha te pediu que confiasses nela, e na via das dúvidas podes querer ficar para ver no que isto dá.
Fica, mais um dia. E amanhã, lê-me de novo.
P.S: Escrever meia página com estatísticas OMS e PorData; linhas de apoio, e crítica à falta de resposta no SNS e estigma face à doença mental, e impacto no meio escolar e laboral e consequente impacto socioeconómico da doença mental e suicídio