Quem salva o SNS?

 

Fecho de urgências de obstetrícia em diversas maternidades do país.

Fecho de urgência de pediatria em diversos hospitais do país.

Desvio de doentes entre hospitais por falta de efetivos disponíveis.

Esperas até 20 horas nos doentes triados com pulseira amarela.

Utentes que vão às 06h da manhã para a porta dos centros de saúde para conseguirem uma consulta.

Podíamos continuar!

Diariamente somos confrontados com situações como as acima descritas, e olhamos incrédulos pensando que não é possível estarmos a falar de situações passadas nas grandes cidades portuguesas.

Lisboa, Porto, Coimbra, Amadora, Loures, cidades com elevada densidade populacional, não tem, neste momento, serviços de saúde capacitados para acudir aos utentes em situações de aflição.

E não, não acontece só aos outros! Em setembro deste ano estive, com o meu pai, 15 horas a aguardar atendimento na urgência do hospital de Santa Maria, em Lisboa.

Assumiram que a triagem não tinha sido eficiente! Pois de facto, parece que não querem assumir, mas o processo de triagem está completamente ultrapassado e neste momento não serve os melhores interesses do utente.

Um doente, com diversas patologias, algumas bem graves, não tinha um médico capaz de o atender, havia apenas internos e a especialidade de neurologia não estava disponível durante a noite. Pois, mas infelizmente as doenças não escolhem horas e a linha verde do AVC não funciona assim tão bem.

15 horas, entre as 20h e as 11h da manhã, pois só nessa altura começaram a chegar os médicos ‘’maduros’’ que acabaram por ajudar quem estava. Depressa puseram a urgência a mexer e começaram a tratar doentes.

Foi uma noite de martírio para os doentes que lá se encontravam. Curiosamente os doentes acabavam por se ajudar uns aos outros, ora a levar água ou a ir buscar um pão ou umas bolachas.

Não sabiam? Pois é, só há comida para os utentes que estão nas macas, os outros que se aguentem que não há orçamento.

UCSP de Odivelas, quem não acredita que não há filas para os centros de saúde é só passar por lá às 08h ao sábado. O centro de saúde abre às 10h e os utentes começam a juntar-se para conseguir uma senha que dará acesso a uma consulta por volta das 05:30h.

E isto só acontece porque não há médicos de família disponíveis para todos.

Neste momento, e segundo informação disponibilizada pela Ordem dos Médicos (OM), 1.299.376 não têm médico de família. Só na região de Lisboa e Vale do Tejo representa 24% da população que reside nesta área.

Mais de 1 Milhão de pessoas residentes em Portugal, que contribuem com os seus descontos, não têm acesso aos cuidados básicos de saúde. São forçados a acordar de madrugada se tiverem necessidade de uma consulta de urgência, ou então faltam ao trabalho, vão para o centro de saúde e com sorte conseguem uma consulta para daí a uns meses.

Desde 1991 que os sucessivos governos prometem que na legislatura em curso todos os portugueses teriam um médico de família.

30 anos depois, a situação está pior que nunca.

Não temos médicos de família, pediatras, psicólogos, dentistas… sendo que este então é um exemplo de tudo o que se faz mal. Dá-se cheques dentista às crianças, grávidas e idosos.

Ora, as crianças vão por selante, tudo o resto é pago à parte, as grávidas, para terem direito, têm de ter uma situação económica desfavorável, pelo que não me parece que o dentista seja uma prioridade, e os idosos, com tanta falta de tudo, muito provavelmente já não têm dentes.

Tudo o que se tenha de tratar, no que respeita à saúde, é de uma burocracia brutal, demora tanto que as pessoas desistem…

A falta de diagnóstico precoce de diversas doenças transforma num pesadelo a vida de qualquer um.

Com a população cada vez mais envelhecida, pois Portugal é um país cada vez mais idoso, há centros de saúde apenas com médicos de recurso, que nem sempre aparecem.

Há um êxodo de médicos para os serviços de saúde privados dos grandes grupos que se instalam em Portugal e com toda a lógica, porque os médicos são mal pagos! É isso mesmo, se queremos que haja dedicação plena, temos de lhes pagar para isso e os sucessivos governos apostam noutras áreas, deixando cair a pique a situação da saúde.

Sinceramente acho que há aqui muitos interesses instalados e esta “fuga” de médicos para o sector privado acaba por ser muito útil a quem tem interesse de privatizar a saúde em Portugal.

Se isso vier a acontecer será uma verdadeira desgraça no país do ordenado mínimo e da baixa natalidade.

Se considerarmos que o SNS tem 43 anos, a sua formalização foi cumprida com a publicação em diário da República em 15.09.1979, podemos antever que começa a entrar na sua crise de meia-idade, e tendo em conta o seu estado atual, podemos estar perante um SNS que pode não resistir muito mais.

O artigo 64º (Saúde)é claro na sua essência:

  1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.
    2. O direito à protecção da saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito, pela criação de condições económicas, sociais e culturais que garantam a protecção da infância, da juventude e da velhice e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo.
  2. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
    b) Garantir uma racional e eficiente cobertura médica e hospitalar de todo o país;
    (…)

António Arnaut, o pai do SNS, deputado da assembleia constituinte responsável pela elaboração e aprovação da constituição que norteou o funcionamento da República, lutou até ao fim dos seus dias por, pelo seu projecto, por aquilo que acreditava ser uma sociedade justa, que permitia a todos os cidadãos acederem a um serviço de saúde, tendencialmente gratuito, que seria suportado pelos impostos dos contribuintes.

Olhando para o que foi idealizado, verificando o que se passou durante as últimas 3 décadas, percebe-se que o SNS se encontra ligado ao ventilador, e com graves dificuldades de recuperação.

Conseguirá, o Governo resolver a situação, ou terá sequer interesse em fazê-lo? Ou esperam-nos tempos ainda mais negros no que respeita à saúde?

Quando teremos médicos de família para todos?

Compreendo a posição dos médicos, mas os cidadãos não podem ser arma de arremesso nas negociações salariais, pois afinal de contas os cursos até são pagos pelos contribuintes.

Havemos de voltar a este assunto.

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A opinião que conta

Comments 1
  1. Greve é um direito fundamental e democrático.
    No tempo da ditadura salazarista os trabalhadores não tinham qualquer direito reivindicativo. Os problemas do SNS, são de origem estrutural e das más políticas dos maus governos que nos têm calhado. Sejamos médicos, enfermeiros, professores, polícias, bancários ou de outra qualquer profissão todos temos o direito de reivindicar direitos através do exercício da greve, sem julgamentos de valor. O problema de muitos de nós é que damos tudo como adquirido, indignámo-nos por não ter médico de família, mas também nos indignamos porque aquele exame ou consulta que até era apenas de rotina, foi adiado por motivos de greve.
    Muita gente já se esqueceu do quão importantes foram os profissionais de saúde no passado tão recente que foi a pandemia.
    Verdadeiros heróis e heroínas que deram tudo, trabalhando horas a fio , dormindo em auto-caravanas e noutros locais mais perto possível do hospital, para fazerem o seu melhor e salvar vidas. Alguns deles levados ao limite da exaustão. Houve até um caso de suicídio.
    Enfim , há memórias demasiado curtas.

    Na minha opinião é demasiado redutor dizer-se que afinal são os contribuintes que pagam os cursos dos médicos.
    Não são os médicos também contribuintes?
    Não pagaram as suas propinas enquanto estudantes?
    Muitos deles de origens humildes, e produtos de classes médias baixas ou mesmo classes mais pobres, que estudaram de dia e trabalharam de noite para poder levar avante o seu objetivo tão nobre de tratar, prevenir, cuidar, e contribuir para a saúde de todos nós na medida das suas capacidades. Deslocados das suas famílias, muitos vindos de aldeias do interior, e ter de pagar pequenos balúrdios para alugar um quarto , muitas das vezes em pensões e residenciais manhosas.

    Indigna-me muito mais o facto de enquanto contribuinte andar a patrocinar RSI’s para pessoas que querem apenas viver desses subsídios, mas que ao mesmo tempo têm automóveis topo de gama mesmo vivendo em bairros sociais . Essas pessoas que para além de viverem dos subsídios atribuídos sem qualquer escrutínio pelas entidades competentes, acumulam também outras atividades ilícitas mas bastante lucrativas, contribuindo assim para uma economia paralela que ninguém quer ver mas que nos prejudica a todos nós, contribuintes.
    São essas mesmas pessoas que agrediram médicos e outros profissionais de saúde , pelo simples facto de terem de esperar.
    Pessoas que insistem em viver à margem das regras da sociedade.
    Pelo menos têm a vantagem de passar entre os pingos da chuva das comissões bancárias, tendo em conta que não abrem contas, porque guardam e “lavam” o seu dinheiro de outras formas, afim de escapar aos olhos do fisco.
    Se o país vai mal , se somos constantemente prejudicados pelo estado, se não temos sequer capacidade salarial para viver e não sobreviver, se não temos sequer capacidade financeira para poder pagar um teto e alimentação, ora então!:
    Manifestemo-nos, façamos greves, é um direito.

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