Kiwanuka (Michael Kiwanuka)

Um esplendor. Se uma qualquer divindade habitasse este planeta, o novo álbum de Michael Kiwanuka estaria na sua playlist do Spotify. As letras continuam a merecer a devida atenção do artista de ascendência ugandesa, que elevou toda a qualidade deste seu terceiro disco através das colaborações dos produtores Danger Mouse e Inflo. O resultado espelha um alinhamento que se vai conseguir manter relevante durante anos a fio.
Estamos perante um dos melhores álbuns de 2019. Kiwanuka é um registo épico, soulful, político, despretensioso, sincero, poderoso e, por vezes, muito comovente. Faixa após faixa, a viagem parece seguir sem interrupções, de forma fluída e saborosa, com grandes picos e minuciosos detalhes.
“You Ain’t The Problem” é a primeira faixa do álbum e começa logo por rebentar, ao estilo Quentin Tarantino; é uma canção ousada, sonante e cheia de movimento. Pouco depois, “I’ve Been Dazed” e “Piano Joint (This Kind Of Love)” aparecem e deixam dois dos momentos vocais mais sublimes de Michael.”Hero” é outro grande destaque; embora a pegada política do artista britânico já fosse bastante percetível anteriormente, esta é a faixa que enfatiza, do início ao fim, o sentido ativista de Kiwanuka e a crítica clara no universo das questões racias. “Please don’t shoot me down, I love you like a brother / It’s on the news again, I guess they killed another”.
“Final Days” é a maior pérola do alinhamento, um registo totalmente mágico e o melhor exemplo da temperatura deliciosa da voz de MK. Trata-se de uma daquelas canções que, simplesmente, não queremos que termine. “Solid Ground” também comove; é uma balada perfeita, onde o reverb não poderia faltar.
Seja em baladas ao piano ou em ritmos mais acelerados, ao som de grandiosas e estridentes guitarras, Michael Kiwanuka apresenta-se coerente e surpreendente ao mesmo tempo. Nenhum pormenor foi deixado ao acaso e a pujante produção das canções é acompanhada por uma maravilhosa escrita, atenta, política e contemporânea. Um álbum a não perder.
Órbita (Mariana Volker)

Mariana Volker, a carioca que se tem mantido relevante após a participação na sexta temporada do The Voice Brasil, estreia-se este mês com o lançamento do seu primeiro álbum. Num alinhamento de oito faixas, Volker consegue entregar canções fortes e muito bem escritas.
“Labirinho“, que abre este disco de estreia, começa logo a somar pontos ao ouvido, através de um flow cheio de preenchimentos instrumentais que vão desde os sopros às carismáticas batidas. Pouco depois, em “+ Amor“, a questão torna-se política; o resultado prova que a artista carioca está mais do que apta para escolher esses caminhos. Ao contrário do instrumental, que abre com teclas em modo anos 80, a letra desta canção remete-nos de imediato para a atualidade, principalmente à luz do cenário político brasileiro dos últimos anos.“Você tão plano e eu textura / Quer-me sarar, eu dispenso a cura”, canta a artista, que surge com as cores da bandeira LGBT+ no videoclipe da canção, no qual Jair Bolsonaro também é uma referência explícita.
“Cheia de dobras” é outro dos magníficos poemas que merece destaque, fazendo uma descrição belíssima daquilo que é a vida. Já a faixa que o sucede, “Montes Claros“, é um momento alto pela forma como nos relembra que o casamento entre uma boa balada e uma guitarra acústica nunca vem em má altura.
Em suma, o pop vibrante (e cintilante, se tivermos em consideração a capa do álbum e alguns dos elementos sonoros nele contidos) de Mariana Volker é perfeitamente recomendável. Não abafa nem sufoca, mas também não divaga em silêncios ou respiros. Revela-se uma artista capaz e interessante, pronta para manter uma luta digna pelo objetivo de alcançar a ribalta nacional.
Mind The Moon (Milky Chance)

Clemens Rehbein e Philipp Dausch estão, pela terceira vez, de regresso aos discos. Mind The Moon é o mais recente trabalho do duo alemão que roubou a atenção do mundo com “Stolen Dance“, em 2013. Neste alinhamento de 12 faixas, não é só a renovada imagens dos artistas ou a belíssima estética do disco que impressiona.
Milky Chance está em franco crescimento. As canções do terceiro álbum de estúdio corroboram isso mesmo. Os destaques são generosos: “Fado“; “Oh Mama“; “The Game“; ; “Eden’s House” (com a participação de Ladysmith Black Mambazo); “Scarlet Paintins“; e “Fallen“. Do início ao fim, Mind The Moon mantém-se um registo preenchido, textural, com grandes momentos de eletrónica e reggae regados com uma produção de qualidade.
Indiscutivelmente, há faixas pouco memoráveis, que nada fazem pelo alinhamento além de conferir-lhe um maior volume. Mas, também indiscutivelmente, estamos perante um álbum que tratou com carinho cada segundo das suas composições. Além disso, temos o prazer de ser transportados/as para os universos de Branko (“Fado”; “Scarlet Paintings”) ou de Christine and The Queens (“We Didn’t Make It To The Moon“). Digamos que a colaboração com Tash Sultana também não lhes fica nada mal (“Daydreaming“), até porque uma voz feminina, principalmente sendo quente e suave como a da artista australiana, soa ainda melhor depois de uma prevalência tão constante de um tom masculino.
As letras poderiam ser mais arrojadas, é certo. Mas o terceiro álbum de Milky Chance comprova que o duo está interessado em evoluir tecnicamente, em arriscar seguir outras influências, além-fronteiras, e em criar uma sonoridade que fale para uma comunidade mais global. Além dos géneros supracitados, os tons de afrobeat são notórios e, felizmente, bem enquadrados, tal como um certo toque de folk.