O nosso cantinho plantado à beira mar é um retalho de diversidade. Estamos todos arrumadinhos, aconchegados, em territórios que reclamamos como nossos. De norte a sul, apesar de sermos todos da mesma nacionalidade, abismamo-nos com tantas diferenças e maneiras de estar.
Talvez a geologia possa ter alguma responsabilidade nestas andanças ou até mesmo o tipo de clima. Quem sabe? Continua o mistério que fica bem melhor assim. O nosso legado histórico, o que recebemos dos nossos antepassados, incutiu-nos tanto que agora, passados estes anos todos, não o podemos ignorar. Está-nos no sangue.
Só assim se entende que o mesmo objecto consiga ter nomes tão estranhos e tão engraçados como se fosse um outro qualquer. É esta riqueza que alegra e faz com que as descobertas sejam sempre uma delícia espantosa. Felizmente que não se perdem, pois, os mais maduros fazem questão de preservar.
Vejamos um exemplo tão simples como o café que também toma o nome de bica. As primeiras máquinas automáticas das ditas bicas, que passavam o café para as chávenas, eram da marca Cimbali. E assim nasceu o cimbalino na zona do Norte. Um regionalismo que se tem perpetuado.
No entanto, não são só as distâncias que marcam com novos nomes em nada semelhantes. No mesmo distrito, podemos encontrar nomes sortidos para o mesmo objecto ou doce. Uma trufa é o mesmo que uma azevia e estes nomes só são usados em certos locais do Algarve. Assim como o folar de Olhão que em nada se assemelha ao vulgar do país em geral.
E que dizer de certos falares que são apenas conhecidos de alguns apesar de serem típicos da zona onde sempre viveram? Um pincho pla riba do penarouco por mor d’ arremar um pechego? Na Beira Baixa é mato entre os mais velhos. Entendem-se como se fosse um código secreto ou uma forma peculiar de comunicar. Soneta é sempre uma palavra deliciosa, sendo que não se sabe o que significa.
Os sotaques, aquelas maravilhas que soam a açúcar melado, encantam os sentidos como sendo pequenos anjos a saltitar de nuvem em nuvem. Que belo é sentir este retalho de cultura, estas heranças grandiosas que temos e devemos preservar.
Podemos falar de gastronomia? O mesmo prato tem tantas variantes como os falares do nosso povo. Ou talvez ainda mais. O chamado Cozido à Portuguesa tem produtos diferentes conforme as regiões. Se numas usam feijão, nas outras é o grão que domina. As couves podem ter cores variadas e as carnes, todas unidas, podem passar a ser separadas.
É esta variedade de cor, de sons, de quereres de ser, de alegria que nos unem, nos dão sentido e fazem com que a nossa existência seja grandiosa. A História, aquilo que jamais poderá ser alterado, escreve-se com sangue e guerras, mas também com vozes que, mesmo sem saberem escrever, tiveram o condão de a contar aos seus descendentes.
Desde o falazar, que ainda não era língua, até ao galaico-português, a distância foi abismal, mas necessária. Os primeiros documentos escritos em língua portuguesa datam do reinado de D. Afonso II, sendo que estavam repletos de incertezas na grafia. Só com D. Dinis se torna a língua nacional, mas apenas nos documentos oficiais.
É certo e sabido que cada terra tem o seu uso e começa a falar como lhe foram transmitindo. Mesmo que exista uma língua oficial, cada região continua a manter as linhas mestras da origem, as heranças dos que por lá viveram e que, sem terem essa noção, deixaram marcas profundas e fecundas.