A palavra ‘discurso’ é frequentemente associada a atos de fala que se fazem em público, como no caso dos discursos da Presidência da República. No entanto, o que dizer de quando se fala, por exemplo, em discursos de ódio? Em alternativa, o que dizer dos discursos que se produzem num dado contexto comunicativo, como uma publicação numa rede social? Há que pensar o discurso além da fala. É a isso que se compromete este artigo.
O discurso pode ser um ato de fala. Refere um dicionário digital da Porto Editora, o Infopédia, numa das definições do termo, que se trata de uma “exposição oral de um texto escrito que trata um ou mais assuntos e que é normalmente preparado e organizado com antecedência para ser proferido em público” ou “exposição ordenada sobre um dado assunto; dissertação; arrazoado”. Simplesmente, pode ser definido como “oração; fala oratória”.
No entanto, o mesmo dicionário oferece outra definição, no âmbito da linguística, fazendo o dito vocábulo corresponder a uma “realização concreta e irrepetível da linguagem verbal, escrita ou oral, e em qualquer registo (formal, informal, etc.)”. Tendo começado por ser estudado de modo mais atento pela linguística, o discurso começou a ser visto na sua dimensão mais sociológica e estudada por áreas como a Comunicação. Um dos campos que se destaca aqui é o dos Estudos do Discurso.
Teun van Dijk é apontado no meio académico como uma referência na análise do discurso. O autor descreve, numa obra aplicada ao contexto da imprensa, o discurso como não sendo “simplesmente um ato textual isolado ou uma estrutura de diálogo [mas antes] um evento comunicativo complexo que incorpora um contexto social, que conta com participantes (e as suas propriedades), assim como os seus processos de produção e receção” [1]. Esta definição convida a uma reflexão, pela sua vertente que vai além da estrutura de linguagem, situando-a em contexto.
Estudar o discurso é perceber o texto em contexto, como refere a professora na Universidade do Minho e investigadora Zara Pinto-Coelho [2], especialista naquele tipo de análise. O texto aqui deve ser entendido como um conjunto de ligações, que se ligam entre si, e que confere a propriedade de dar sentido a um dado ato comunicativo em si mesmo, o qual não tem que ser apenas escrito. Perceber o discurso consiste, portanto, em vê-lo como um todo comunicativo de significados, numa lógica de interação.
Pense-se num conjunto de ideias que é consolidada e desenvolvida em contextos e ao longo do tempo. A título de exemplo, o discurso de ódio, como se referiu acima. Reconhecido académico de Filosofia Política, Bhikhu Parekh entende que este “expressa, encoraja, impulsiona ou incita a uma hostilidade sobre um de pessoas que se distinguem por uma particular caraterística ou conjunto de caraterísticas como a raça, género, religião, nacionalidade ou orientação sexual” [3]. Concretizando, o discurso de ódio corresponde a um todo comunicativo que vai sendo exercido na prática sob atitudes e comportamentos odiosos sobre determinadas pessoas na sociedade.
O presente artigo pretende fazer refletir, ainda que de modo breve, sobre o modo como se usam as palavras, em particular sobre o termo ‘discurso’. Convida-se a uma compreensão mais atenta da palavra e do seu sentido, das suas significações próprias e de como estas funcionam com outras significações, do seu texto em contexto. A verdade é que os estudos do discurso têm vindo a ganhar mais atenção academicamente, visando alertar para o que socialmente se comunica, como se comunica, quem comunica e em que circunstâncias se comunica. Em tempos de uma aceleração da propagação da informação, sobretudo com a Internet, é fundamental estudar-se e compreender-se o discurso, além da sua forma falada e em atos particulares, ou seja, no seu todo e prolongadamente.