Já fez um mês que a minha cadela Rita faleceu.
Apesar da dor e da falta, das saudades do seu olhar quase humano, sinto-me em paz. Ela será sempre ela, uma memória doce. Fomos felizes por 16 anos, foi muito bom. Acrescento a serenidade que me causa o facto de ter feito tudo o que era possível e, tê-la podido acompanhar na sua partida, anulando o sofrimento imenso que se seguiria. Estou, portanto, com o sentimento de missão cumprida. E ela está, estará sempre, em mim.
Lidar com o luto de um animal não é um processo fácil. Muitas pessoas continuam a achar que “é apenas um cão”. E é… Mas é um cão que esteve comigo quase todos os dias nos últimos 16 anos. Que passou por todas as minhas fases melhores e piores. Que me encheu os dias de alegria e companheirismo. É “só” isto, portanto.
É interessante ver como as pessoas reagem de forma tão díspar à morte de um animal, o tal que é “só” um animal. Uns, bloqueados pelo sofrimento, anunciam de imediato que não querem mais nenhum. Jurei que isso não me aconteceria, não só porque me seria difícil viver sem, mas sobretudo porque existem tantos nos abrigos a necessitar, que seria um egoísmo, na minha perspectiva, deixar-me enregelar pela dor. Esse é um propósito que levo sempre comigo: não azedar com o desgosto, que todos vamos tendo os nossos. E se possível, usá-lo para fazer algo produtivo, como adotar um animal, no caso específico.
Posto isto, era óbvio que o voltaria a fazer. A questão era: quando?
Houve quem, no dia seguinte, me estivesse a mandar fotos e anúncios de cães. Ora, sendo voluntária num abrigo, tinha assim de imediato, e sem me esforçar muito, 400 opções: novos, velhos, pequenos, grandes. Não era por falta de oportunidade. Precisei de um tempo para me recompor, fechar ciclos, reconstruir-me. A serenidade ajudou muito nesse sentido, apesar da dor. Quase comecei a saborear as manhãs na cama sem a obrigatoriedade de ter que ir com o cão à rua logo cedo. Deixei de me preocupar com o regresso a casa para mais um passeio. Não comprei ração como habitualmente. Lavei as camas da Rita, guardei os comedouros.
E então, antes que cedesse ao comodismo, ganhei coragem de iniciar uma nova aventura. Três semanas depois, fui buscar a miniatura que está aqui ao meu lado a dormir. Já a conhecia do abrigo, onde entrou há 2 anos com 4 crias que, entretanto, foram adotadas. Assim que soube o desfecho certeiro que a saúde da Rita iria ter, mais dia menos dia, comecei a conquistá-la nas minha visitas ao abrigo. Fiz-me presente, seduzi-a com festas e bolachas, habituei-a ao meu colo, ao meu cheiro.
A ex-Anita, com idade estimada de 7 anos, veio para casa há 4 dias. E agora, já não eram os outros a propor-me cães no dia seguinte, mas a ficarem espantados com a rapidez com que fui buscar outro. Preso por ter cão e preso por não ter… literalmente. Como se isso fosse uma desconsideração com a Rita, como se já tivesse ultrapassado e esquecido o seu amor. Coisas de gente que não sabe amar, com muitas limitações emocionais.
Estava consciente de que a adaptação não seria imediata, porque conheço os seus últimos 2 anos no abrigo, mas não os 5 primeiros da sua vida. Deu entrada na associação quando alguém alertou que estava no ferro-velho uma cadela pequena com os seus bebés. Teria lá sido deixada com eles? Teriam lá nascido? Teria sido abandonada porque estava prenha? Teria tido uma casa? É um extenso role de incógnitas.
Fiz questão de lhe mudar o nome. Só me lembrava da outra de rabo alçado a dançar funk e não queria isso para a minha menina. Mas que nome? Listei uns 4 ou 5, mas nenhum era o tal. O nome surgiu de forma natural, ao jantar, na véspera de a ir buscar. É basicamente preta, o que fez lembrar de Amora ou Azeitona. Mas Amora era um nome já visto. Azeitona é muito grande. Mas há Oliva. E em coro, saiu-nos: Olívia. Olívia ficou.
Estes dias têm sido mais fáceis do que esperava, confesso. No primeiro dia tomou banho sem resistência. No segundo foi à rua, primeiro a medo, mas assim que se apanhou na relva, soltou a alegria em si. Ao fim de 3 dias já não fazia xixi em casa. Tem conhecido os amigos caninos do bairro de forma pacífica. Dorme ao meu lado depois de jantar. Fica a dormir sossegada na cozinha, noite fora. A evolução e adaptação têm sido rápidas e felizes.
Alguém referiu que uma cadela com 7 anos já estará a meio da vida. E então?
É precisamente por isso, e pela baixa taxa de adoção que os animais adultos têm, que eu fiz questão de a trazer. E só não foi um animal idoso, porque ainda não me sinto preparada para passar novamente pelas consultas veterinárias semanais e uma morte próxima. A seu tempo.
A Olivia é a embaixadora da adoção adulta e feliz. Criei, inclusivamente, uma página no Instagram olivia_adopt_dont_shop para promoção dessa ideia. Convido-vos a segui-la. É preciso desmistificar.