Vinte anos são duas décadas. Parece muito, é verdade, mas é mesmo assim – o tempo avança e não perdoa. Qualquer vida pode alterar-se neste intervalo, mas há lugares que nos esperam como se o tempo fosse apenas uma ligeira pausa. Nice foi, sem dúvida, esse lugar.
Um reencontro inesperado, quase um aceno do destino, que me devolveu não só paisagens, mas sensações e certezas.
Nesta viagem à Côte D’Azur (Provença), realizada em pleno inverno e acompanhada da minha família, reencontrei a beleza da simplicidade: as caminhadas descontraídas pela Avenida Promenade des Anglais em Nice, as ruas estreitas de Ezé, tradicionalmente um local medieval e de contrastes entre culturas, até o pôr-do-sol a incendiar o céu sobre a mítica Cannes, a cidade do cinema europeu.
Estes momentos são aqueles que queremos fazer parar o tempo para conseguirmos ver e percorrer todos os locais que idealizámos.
A chegada a Nice foi tranquila, numa segunda-feira de um sol quente que parecia verão, mas estávamos em pleno inverno, depois da azáfama de reunirmos as bagagens e de procurarmos o transporte previsto para o hotel. Comecei a reconhecer vagamente a cidade onde tinha estado nos meus 23 anos, na viagem de finalistas ao sul de França e Itália.
Sempre tivemos uma ligação emocional, pelo bem-estar e pela multiplicidade de cores que a cidade sempre me manifestou. Nice não é mais a cidade que conheci inicialmente. Está diferente, mais cosmopolita, aderiu à inovação e ao desenvolvimento do seu território, sendo banhada por um mar azul aberto e às vezes de nuances “metálicas” que o tornam mais agitado no inverno. Caminhar pela Av. Promenade des Anglais ao entardecer, com os tons dourados do sol a caírem sobre o mar, é sempre uma experiência quase mística.
Em pleno inverno, os pores do sol são distintos – são mais densos, mais dramáticos. Como se o céu, sabendo que há menos horas de luz, nos oferecesse um espetáculo quase introspetivo.
Começámos o nosso percurso por Nice de dia e à noite e seguimos para Ezé que considero ser das melhores maravilhas em termos de vilas medievais e que causa uma profunda emoção no coração.
Esta vila medieval, quase suspensa nas montanhas e vista privilegiada sobre o mar, é uma pintura viva. Perder-me nas suas ruelas de pedra foi redescobrir o silêncio com textura, onde o som do vento se mistura com a respiração da memória.
A visita ao Jardim Exótico no topo do rochedo, com esculturas que parecem saudar o infinito, foi um dos momentos mais marcantes da viagem.
Depois, Antibes, uma vila portuária que parece ter sido feita para ser contemplada. A marina abriga grandes veleiros e barcos de turismo de várias partes do mundo e cujas velas cruzam-se num céu tão azul, que diria quase celestial, que se mistura com o branco mesclado das nuvens.
Não é uma vila obrigatória de visita, mas como tem um dos portos mais interessantes do sul de França, merece ser descoberta. Antibes não é uma vila que mais me encantou, mas faz parte do percurso da Côte d’Azur.
Cannes, com o seu glamour discreto em época baixa, ofereceu-me um pôr-do-sol de silêncio, diria um reencontro pessoal. Não há multidões nesta época, e por isso, o passeio pela avenida da Croisette junto à praia soube-me a cinema de autor: íntimo, intenso, com uma banda sonora feita de ondas e de memórias.
Neste percurso pela costa Côte d’Azur, não passar pelo Principado do Mónaco, mais concretamente por Monte Carlo é perder a oportunidade de revisitar uma cidade desde sempre icónica e caracterizada pelo glamour das luzes, pelos sons intensos dos motores de alta cilindrada de viaturas de alta gama, que se cruzam de forma natural entre as avenidas mais emblemáticas – enfim o luxo que conhecemos desde sempre.
Não é a ostentação ou o exagero das cores, das marcas conhecidas, das lojas e tendências de moda que conhecemos que mais retive na memória – foi o contraste. Foi saber que em poucos quilómetros ou metros, o mundo muda completamente. Jantei em família num pequeno bistrôt japonês junto ao porto, onde a comida sushi – simples, mas exímia pelas maravilhosas e crocantes Gyozas — fizeram-me lembrar que o luxo está apenas no detalhe de se estar em paz, saborear uma refeição com quem gostamos de estar e desfrutar da vista noturna.
A gastronomia na Côte d’Azur revelou-se como uma viagem dentro da própria viagem. Existem sempre novas experiências para degustar: a famosa socca, uma espécie de crepe de grão-de-bico que tem mais história do que ingredientes e apenas apreciada por quem gosta mesmo. As reconhecidas saladas Niçoises, com ovos, azeitonas e atum fresco, e deixarmo-nos surpreender com os vinhos tinto locais, que não têm os nossos aromas nacionais – mas são igualmente bons.
Esta viagem não foi sobre visitar locais famosos, mas sobre sentir, aquilo a que chamamos viver as experiências com alma. Aliás, senti que o tempo pode passar, nós mudamos, crescemos, mas há lugares onde o tempo nunca vai passar: sermos nós a fazer o nosso tempo.
Nice e as cidades nos arredores ensinaram-me que as melhores viagens não são as mais longas, nem as mais dispendiosas – são as que nos devolvem partes de nós que nem sabíamos que estavam perdidas, são as que nos ensinam a evoluir como seres humanos.
E, talvez o mais importante que tenho para partilhar, seja somente viajarem e descobrirem novas experiências. Voltarem a lugares onde já foram felizes e se sintam completos. Viajarem com quem vos faz sentir em casa.
E deixem o sol de inverno surpreender-vos. Porque a luz é diferente. E nós também somos.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico.