Foi com dois anos de atraso que se cumpriu esta viagem. Facto comum, ao que parece, a muitos que, como eu, não tiveram outra opção que não protelar o desejo de evasão.
E se a festa começa com os preparativos, o mesmo acontece com as viagens, pelo que, assim que me propus a levar adiante esta ideia, fiz uma pesquisa do tipo de turismo que poderia realizar. Adoro praia, mas férias que só a incluam, fechada num magnífico resort, não é a minha preferência, a menos que sejam só dois ou três dias de papo para o ar. Sendo exclusivamente isto, soa-me a pouco, e não vejo muito mais vantagens do que ir à Costa da Caparica, salvaguardando-se a óbvia diferença da temperatura da água e paisagem.
Gosto de circular, ver os pontos de referência, obviamente, mas também falar com as gentes, e se possível tomar-lhes a vida do dia-a-dia, longe do tapa-olhos que o turismo muitas vezes incorpora. E assim, foi fácil optar por um misto de maravilhosas ilhas do Mar Egeu e de visitas culturais à Grécia Histórica. Roteiro tão abrangente como fisicamente exigente, mas isso percebi mais tarde, embora tenha valido cada gémeo dorido, cada gota de suor nos 40 graus que apanhei ou mesmo a ridícula marca das sandálias no bronzeado dos pés.

A Grécia é uma república parlamentar, sendo uma mulher – Katerina Sakellaropoulou – que ocupa a presidência, e tem cerca de 10.7 milhões de habitantes, metade dos quais vive na zona de Atenas, capital do país. É integrante da zona euro e a religião oficial e predominante é o cristianismo ortodoxo. Tem cerca de 3.000 ilhas, mas apenas 200 são habitadas. O grego é a língua oficial, apenas falada neste país. É por muitos considerada o berço da civilização e, indubitavelmente, da democracia.
Ora então, uma portuguesa na Grécia. Na mania de ser cortês, lá aprendi, antes de partir, via Youtube, o indispensável para não parecer arrogante, como alguns falantes da língua inglesa: Kalimera (bom dia), Kalispera (boa tarde), Kalinihta (boa noite no equivalente ao good night, não usável ao nível do fim de tarde, como o good evening, a menos que se tenham outras ideias, ahahah). Efjaristó (obrigada) e um generalista Yasas (olá/ saúde) e já estavam cumpridos os mínimos.
E lá comecei eu a ser simpática. Risco disto? Presumirem que lhes sou conterrânea, dada a similaridade física, e começarem a falar comigo, o que me deixou, por diversas vezes, literalmente a ver-me grega. Em pleno jardim, uma senhora começou a falar entusiasticamente comigo sobre o Dia Mundial contra as Drogas, no seu elaborado grego de domingo, e eu devo tê-la olhado esbugalhada porque só aí se calou. E mudou o chip para o inglês, claro.
Terei encontrado não mais do que 3 portugueses em 8 dias. Dois numa loja de artesanato, e quando trocámos olhares, daqueles que parecem reconhecer irmãos que nunca se viram antes, arrisquei um: são portugueses? Ao que prontamente me responderam: yes! Não era a Torre de Babel mas quase. Fui também interpelada por uma senhora do Porto, de 73 anos, que me fez semelhante pergunta e com quem partilhei algumas excursões. Viajava sozinha, não falava inglês, mas falava francês e algum castelhano. Através dela, no dia do cruzeiro às magnificas ilhas, juntou-se a nós uma natural de Zurique que falava alemão, inglês e algum castelhano. Lá nos fomos entendendo, muitas vezes em consecutiva tradução.

Cheguei a Atenas pela hora de jantar. Deixei a mala no quarto e fui em busca das avenidas centrais. Iniciei o repasto com uma salada grega (tomate, pepino, pimento, cebola e queijo feta) e uma cerveja nacional. A obrigatória Moussaka (beringela, molho bechamel e carne moída) consta sempre do cardápio, bem como os diversos Gyros (wraps). Quando circulava com refeições pré-reservadas pelo guia pude experimentar outras iguarias, muito assentes nos legumes acima e no cordeiro. Algum peixe também, mas comi tanta moussaka na Grécia, muitas vezes como entrada, como comi inhame nos açores, todos querem por na mesa o que é típico, ao ponto da exaustão. Adorei o iogurte grego, o verdadeiro iogurte grego, amargo, espesso, com ervas e vinagrete. E, evidentemente, a dulcíssima Baklava, pastel de nozes com mel.
Atenas tem muito para oferecer e circula-se muito bem a pé. A inevitável visita à Acrópole e o seu muito famoso templo Partenón, ouvindo a história de guerras mas também de lendas da mitologia, que podem depois ser detalhadas no Museu; a Ágora antiga, local politico e filosófico, o Odeon de Herodes Ático (teatro), o Templo de Zeus Olímpico e o Arco de Adriano, o Estádio Pan-Atenaico (onde se realizam os jogos olímpicos) e a Praça Sintagma, onde se localiza o Parlamento, com o típico render da guarda de hora a hora, com especial detalhe ao domingo pelas 11 horas. E a imperdível noite de Plaka, bairro próximo da Acrópole, local de restaurantes típicos e lojinhas de recordações. Três dias de Atenas resulta numas pernas definidas e ginasticadas e serviu de treino aos dias seguintes.
Há um cruzeiro de um dia que percorre as Ilhas Hydra, Poros e Egida. Muito sol, muito calor, águas límpidas. Paragens para exploração das ilhas, com novas subidas aos topos para apreciar a vista, uma paisagem que traz uma calma na alma, e um desejo de mergulho irresistível. Gostei sobretudo de Hydra. Não há praias de areia, mas há escadas de acesso ao mar, e foi aí que nem tentei resistir e me entreguei nos braços do Mar Egeu, olhando as casas brancas e os veleiros que aportam. A ilha é conhecida pelos inúmeros gatos que circulam naturalmente por entre os turistas, meigos e sempre em busca de um carinho. E os burros, que são ainda explorados como meio de transporte para turista ver ou pior, como carregador de malas para o hotel. Também as gaivotas acompanham o trajecto do ferry, havendo quem se entretenha a atirar-lhes pão, que elas apanham em pleno voo. A mim, que trabalho na marinha mercante, não me passaram ao lado as operações de carga de ferrys de carga acostados ou dos porta-contentores de empresas internacionais que se avistavam. Podemos sair do trabalho, mas o trabalho não sai de nós. Agradeço, ainda assim, pela versão romântica que a marinha me permite, nem todos podem usufruir desta dupla significação.

Seguiram-se outros 3 dias intensos. No primeiro dia visitei o Canal de Corinto (estrutura de navegação) e também zona por onde andou São Paulo em pregação, bem como Mecenas, local arqueológico rico em lápides e ruínas de um palácio. Visitei Epidauro, o teatro mais antigo do mundo e ao qual foi cientificamente reconhecida uma acústica extraordinária. Segundo consta, o teatro, como arte, terá aparecido numa derivação das festas em honra do Deus Dionísio (Baco, deus do vinho e dos excessos) em que jovens rapazes, deveriam dançar num ritual próprio. No entanto, um deles terá interrompido a dança e interpelado um dos outros, de forma a gerar uma resposta, surgindo um diálogo de que o público foi testemunha. No desenvolvimento desta ideia, evoluiu-se para textos que eram levados a concurso e eram apresentados uma única vez, daí a necessidade de teatros com a capacidade de 14 a 20 mil pessoas. Na estrutura da peça, o protagonista era o lançador do pensamento ou teoria, por vezes ao nível filosófico, e o coro representava o povo. A importância do teatro como forma de divulgação de ideias e de formação das gentes foi crescendo, pelo que havia mesmo uma espécie de subsídio aos pobres para que pudessem faltar ao trabalho para assistir a estes eventos que duravam 5 dias e começavam logo pela manhã.
Seguidamente visitei Olímpia, berço das olimpíadas, onde existe ainda hoje intocável o estádio, sem qualquer alteração posterior pelos romanos, como é infelizmente frequente, e onde coexistem diversas estruturas do Santuário do Zeus Olímpico e um museu. Alguns factos curiosos foram referidos pelo guia, como por exemplo, os participantes dos jogos se encontrarem despidos durante o evento. De facto, a actual palavra ginásio deriva de termos relacionados com a nudez. Os participantes não eram, como hoje, atletas profissionais, e o prémio era basicamente a honra e o orgulho, sem expressão pecuniária. Por forma a inibir o suborno, se apanhassem alguém a cometê-lo, era comum a cobrança duma multa. Esse valor era empregue na edificação duma estatua de Zeus, com o nome do prevaricador escrito na base, sendo colocada na entrada do estádio para conhecimento de todos. Só os homens podiam assistir aos jogos, com excepção duma única mulher, sacerdotisa de Deméter. Segundo consta, uma mulher não resistiu a ir ver os filhos participarem, e ter-se-á vestido de homem. No entanto, no entusiasmo da celebração da vitória, a roupa terá descaído e revelado alguns traços da sua feminilidade. Não sofreu penalização, dado que pertencia a uma família vencedora em gerações prévias.

Em Delfos, visitei o Templo de Apolo, onde se localizava um importante oráculo e o da Atena Pronaia, bem como museu correspondente. O oráculo era consultado por governantes e pessoas de influência, procurando um conselho ou orientação, o que permitia aos sacerdotes e às profetisas tomarem conhecimento do que se passava nos diversos locais. No museu pude constatar que as estátuas gregas apresentam sempre um sorriso, embora fechado, sem dentição visível, o que serve como diferenciador face a estatuetas romanas e mesmo egípcias. Os deuses eram representados em proporções superiores aos humanos, sendo que muitas vezes sentados tinham a mesma dimensão que os outros de pé. A cada um o seu lugar…
Em Meteora, zona de elevadas e impressionantes formações rochosas, visitei 2 mosteiros, um de monges (Vaarlam) e outro de monjas (Roussanou), com fortes reservas na vestimenta dos visitantes. Aos homens não é permitido calções acima dos joelhos e as mulheres só podem entrar de saia, não sendo tanto o estar descobertas as pernas que importa, mas conseguir adivinhar-se a forma das coxas nas calças, ainda que largas. A arte presente nos ícones (apenas de 2 dimensões, são proibidas estatuetas) e nos frescos, onde se retratam os martírios dos santos é austera e escura. Na cúpula, de cima para baixo, são ordenados Deus, anjos, profetas, evangelistas, e por fim os humanos. Há diversas representações da ascensão de nossa senhora, que na religião ortodoxa é entendida apenas em alma, em não corpo e alma como os católicos. É frequente o tema do Juízo Final, sem existência do purgatório, apenas Paraíso e Inferno. As almas puras são representadas por bebés envoltos em panos.

A Grécia é um país de contrastes, sendo que, era comummente aceite a pedofilia na antiguidade. No museu de Olimpia, por exemplo, há uma estatua de Zeus que carrega Ganymede, um rapaz pequeno, criança ainda, ao colo. Terá sido apresentado como criado, no entanto, era do conhecimento geral o relacionamento sexual de ambos. É também muito comum a existência de imagens de artesanato referente a orgias, de carácter hetero ou homossexual, presente em pratos, pinturas ou cartas de jogos, com explícita actividade sexual, presentes em qualquer lojinha de recordações.
Um facto que o meu filho já tinha comentado comigo, é a origem do nome da marca Nike ter sido inspirado em Niké, a deusa alada que personificava a vitória, a força e a velocidade. O logotipo aplicado deriva das asas de que dispunha. Nunca mais vou conseguir ler a marca em questão sem lhe dar a acentuação da deusa.

Quando me perguntam de onde sou, é inevitável a referência ao Euro 2004, onde a Grécia ganhou a Portugal na final. Os sorrisos abrem-se, e os poucos que já visitaram Portugal falam de Lisboa, do Estoril e usam a expressão obrigado. Ao comprar água a uma vendedora ambulante, revelou-me que há dois anos que planeia uma viagem a Portugal, e que será em breve. Está ansiosa, diz-me, no seu inglês diminuto. O inglês é hoje em dia ensinado nas escolas desde o ensino primário, mas as gerações mais velhas falam pouco, sobretudo fora das cidades, até porque em tempos idos era dada primazia ao francês e ao italiano.
A condução é caótica, sobretudo no que se refere a motorizadas. Sendo obrigatório o uso do capacete, há ainda muita resistência, o que vem sido minorado pelas elevadas multas que entretanto se criaram. É, ainda assim comum andar-se sem capacete, ou usá-lo dependurado no guiador, onde faz uma falta imensa. As paragens nos semáforos são feitas em cima da passadeira, o que obriga os peões a contornar as mesmas para poder prosseguir, isto quando não tem que se sair da área suposta.
E aos que me perguntam: então e que tal os gregos? referindo-se obviamente aos descendentes masculinos dos musculados e definidos atletas e deuses… Muito simpáticos, sorridentes, bem-dispostos e quase marotos, mas, ainda assim nada que me tivesse perturbado particularmente. O mais caricato que me aconteceu foi, num dia à noite, me terem batido à porta do quarto, gritando um sorridente e provocatório room service…. Quando abro vejo uma moça de 1.85 metros, cabelo solto e vestido revelador, que ficou aflita ao ver-me, tinha-se evidentemente enganado no quarto.

As viagens são como um bom livro, não queremos terminar, mas sabemos que é inevitável. Já voltei há dias, mas estou ainda a reviver e a assentar memórias, cheiros e sons, como quando a história ou os personagens parecem integrados em nós, como se não pudéssemos viver já sem eles. Mas um viajante, quando acaba uma viagem, é como um leitor que escolhe um novo livro, começa logo a pensar na próxima, que há um mundo a descobrir.
Resta-me agora trabalhar que, para grande desgosto meu, ainda não me contrataram como repórter de viagens.