O mundo todo está a ver!

“Os 7 de Chicago” passa-se no efervescente ano de 1968. Ano da morte de Martin Luther King, do assassinato de Robert F. Kennedy, da Guerra do Vietnam e da intensificação da luta pelos direitos civis.

Num contexto social semelhante a um barril de pólvora, a América de 1968, vivia um grande clima de contestação na maioria da sua população, que se começara a insurgir contra a permanência das tropas americanas no Vietnam, uma guerra que perdeu o sentido e em que diariamente se lamentava a perda de jovens americanos.

No mesmo momento, vivia-se a ascensão dos movimentos estudantis, do movimento hippie e de inúmeros outros movimentos sociais, que contestavam a forma de estar e viver da sociedade vigente e que foram fundamentais para a sociedade e para o decurso da história do século 20. Protestos, manifestações e vozes que se insurgiram e que criaram uma espécie de onda mobilizadora, que se desenvolveu e propagou pelo resto do mundo, questionando a ordem atual, à escala global. 

É neste contexto, que durante a Convenção Nacional do Partido Democrata, em Chicago, manifestantes entraram em violentos confrontos com a polícia, gerando uma onda de motins. Oito pessoas foram detidas: Abbie Hoffman (Sasha Baron Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong) do movimento hippie e anti-sistema, David Dellinger (John Carroll Lynch) pacifista confesso, Tom Hayden (Eddie Redmayne) e Rennie Davis (Alex Sharp) do movimento estudantil, John Froines (Daniel Flaherty) e Lee Weiner (Noah Robbins) ativistas menores, e Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II) co-fundador do Partido dos Panteras Negras, posteriormente julgado separadamente do grupo, uma vez que não tinha representante legal. 

Um ano após o incidente e com um novo presidente no poder, o Republicano Richard Nixon, os ativistas foram processados e deu-se inicio a um julgamento que durou mais de seis meses e que procurou fragilizar os ideais anti-guerra, que os arguidos defendiam. Os oito ativistas, praticamente sem relação entre eles, foram acusados de incitar à violência, pelo procurador Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt), enquanto que o advogado de defesa William Kunstler (Mark Rylance) alegava que havia sido a polícia quem iniciou os confrontos.

No filme de Aaron Sorkin, os acontecimentos que levaram ao julgamento são narrados por recurso a flashbacks da história, que balançam entre imagens de época e ficção. Um equilíbrio brilhante e poderoso que contextualiza os acontecimentos históricos com a abordagem de Sorkin, mestre na arte de contar histórias reais. Num tom provocatório, em que a injustiça descarada e obscena, convive quase naturalmente com as piadas erosivas e provocadoras dos jurados mais controversos, Abbie Hoffman e Jerry Rubin, provocando alguma revolta interna ao espectador. 

“Os 7 de Chicago” estreou em Outubro de 2020, num dos meses mais incendiários de um ano completamente atípico e por si só pandémico, em que a América do Black Lives Matter se debatia com uma das suas eleições mais importantes da história. Um momento em que o Mundo todo estava de olhos postos na América e no duelo Democratas vs Republicanos, em que muitas das ideologias vividas, sofridas e lutadas em 1968, estavam completamente na ordem do dia. Não haveria melhor analogia. 

Da total e desesperante parcialidade do juiz Julius Hoffman (Frank Langella), à brutalidade das forças de segurança e ao racismo, o filme aborda muito dos temas e problemas que levaram, em 2020, os jovens americanos a, mais uma vez, sair à rua para contestar, protestar e insurgirem-se. Movimentos que criaram ecos por todo o mundo e se propagaram, tal como aconteceu em 68.

“Os 7 de Chicago”, aborda um poder político arrogante, incapaz de ser posto à prova e que não admite as suas falhas. Mostra-nos o racismo sistémico e institucional, através do tratamento dado a Bobby Seale numa das cenas mais desconcertantes do filme, bem como a violência policial e das instituições face a tudo o que as coloca em causa, temas e acontecimentos facilmente relacionáveis com o contexto atual americano e do mundo. 

Este filme é um lembrete de que as nossas democracias são frágeis e que nunca devem ser tidas como garantidas, devem ser cuidadas e preservadas num todo. Instituições negligentes e governos intransigentes, colocam-nas facilmente em risco, bem como às nossas liberdades.

É uma abordagem à guerra e à paz, à democracia e à liberdade, num dos melhores filmes da Netflix, dos últimos tempos, e que, apesar da distância dos acontecimentos, nos mostra uma temática perturbadoramente atual.

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