3 Lições a aprender com Groundhog Day

Quase a fazer 30 anos, é seguro dizer que O Feitiço do Tempo se trata de um clássico do cinema. Apesar de ser uma comédia (ou precisamente por ser uma comédia) este filme não só envelheceu bem como, eu diria que, é intemporal.

A premissa é muito simples e é a melhor maneira de nos mostrar como a nossa perspetiva perante a vida muda a forma como a experienciamos. É como a metáfora do copo de água: ele está meio cheio ou meio vazio? Quando a questão é apresentada deste modo o cérebro fica em cheque, necessitando de uma pausa para reformular o enigma e ver outras possibilidades.

O Feitiço do Tempo é uma espécie de Do Céu Caiu Uma Estrela, o clássico de Frank Capra, de forma invertida. Enquanto que no primeiro a personagem principal interpretada por James Stewart é confrontada com o que seria o mundo se ele nunca tivesse nascido; em O Feitiço do Tempo, o protagonista está sempre a acordar no mesmo dia repetidamente. Faz-nos realmente pensar no que faríamos se ficássemos presos num dia de Inverno num lugar onde não queríamos estar…

À medida que o dia progride (numa repetição sem fim), o espectador ganha mais e mais empatia para com este rezingão, que não poderia ser interpretado por outro que não o genial Bill Murray, como se o ator tivesse nascido para fazer este papel. A sua arrogância é quase adorável! Sentimos empatia com o seu desespero à medida que a sua resmunguice se derrete dando lugar a uma atitude de “que se lixe, eu vou simplesmente usufruir o melhor possível deste dia”.

Phil cresce em nós à medida que vemos o filme, tal como cresce em Rita, interpretada pela adorável Andie McDowell. Rita é a mulher ideal, ou não fosse isto um filme de Hollywood, e a presença desta personagem serve para nos mostrar como o amor nos faz querer ser melhores pessoas. Não apenas o amor romântico de cinema (embora comédia que se preze precise sempre de uma dose deste ingrediente), mas o amor para com a vida, aquilo a que os franceses chamam de la joie de vivre.

À medida que Phil se torna progressivamente mais altruísta, ele sente-se melhor, ficando imerso em alegria de viver. Basicamente, ele torna-se mais generoso, porque está mais presente no momento, desfrutando do que é, sem a ânsia de mudar ou apressar o ritmo do desenrolar do dia.

O filme é uma espécie de parábola Taoista onde podemos encontrar 3 grandes lições:

1 — “Conhecer os outros é sabedoria, conheceres-te a ti próprio é iluminação.”

Primeiro, Phil vê grande potencial em saber antecipadamente o que os outros estão a pensar ou prestes a fazer. Ele percebe de imediato como pode usar isso para seu próprio proveito e tenta controlar as coisas a partir desse ponto, acreditando que essas recompensas o vão fazer sentir melhor. Assim, tenta todos os cenários possíveis para conseguir o que quer.

À medida que continua a lutar e percebe que as coisas não decorrem da maneira que deseja – ou, pelo menos, não o fazem sentir tão bem como ele achava que iriam fazer – Phil começa gradualmente a largar a atenção da necessidade de controlar os outros ou os eventos e abraça a vida tal e qual como ela se apresenta. Phil vira a atenção para dentro, para a única coisa que pode controlar: a forma como ele próprio se sente.

2 — “Quando eu deixo ir quem sou, eu torno-me quem eu posso ser.”

Ou nas palavras de José Saramago “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.”

À medida que Phil volta a sua atenção para dentro de si, ele começa a deixar ir a sua ideia de como a realidade deveria ser ou de como ele deveria reagir ao que se apresenta. Largar esse tipo de apegos e julgamentos cria espaço. Nesse espaço, Phil consegue sentir o seu próprio crescimento em tudo o que está a viver, permitindo-se fluir através de cada experiência. Assim, vai-se tornando mais confortável na sua própria expansão à medida que a aceita como algo que continuará a acontecer diariamente.

Phil também compreende que apesar de todos os dias serem aparentemente iguais, é a sua própria consciência que faz a diferença e, portanto, é a sua apreciação de todas as pequenas coisas que torna cada dia único. O nosso protagonista torna-se assim capaz de se rir da sua própria miséria. E rir revela-se o melhor remédio, afinal a alegria de viver é sempre a chave para se desfrutar do caminho.

3 —”Um bom viajante não tem planos rígidos e não está focado na intenção de chegar.”

Finalmente, Phil foca-se nesse estado de alegria de tal forma que é como se ele se tornasse esse estado, irradiando luz à sua volta. Phil toma a responsabilidade pela maneira como se sente, pára de culpar tudo e todos e torna-se a diferença que quer ver no mundo. Vemos então o herói a transformar-se em alguém de quem ele próprio desfruta ser todos os dias, encontrando formas de se expandir e divertir, como por exemplo, aprendendo a tocar piano ou a fazer esculturas no gelo.

Então o estar preso no mesmo dia passa de um inferno a um paraíso, de uma maldição a uma delícia. Podemos dizer que a aventura de Phil é na verdade uma jornada emocional e, agora, ele está com uma attitude de desfrutar do caminho, o que faz com que seja feliz em cada dia.

De facto, O Feitiço do Tempo é brilhante! Tal como o Taoismo, é tão simples e ao mesmo tempo tão rico na sua abordagem direta, podendo dar-nos uma nova perspetiva sobre as nossas próprias vidas. É daqueles filmes que se revêem ao longo dos anos, ficando-se sempre com a boa sensação de voltar a casa que só gargalhadas genuínas provocam.

E voltando à metáfora do copo de água, este filme é uma excelente analogia para a re-contextualizar, pois podemos sempre decidir ver o copo completamente cheio: metade de água e metade de ar.

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