O lado cheio do copo

Vivemos tempos de mudanças e de desconforto. Aquilo que tínhamos como garantido passou a ser uma recordação e a incerteza mudou os hábitos que estavam, há anos, enraizados. Fomos inundados por uma doença que englobou o mundo e tomou o nome de pandemia. O século XXI, cheio de avanços, tecnologias e inovações não conseguiu fazer frente a um vírus que teve o condão de enviar todos para casa.

O ser humano é dotado de muitas capacidades e a forma como se adaptou ao que aconteceu é de louvar. Os hábitos mudaram, os ritmos de vida sofreram um enorme revés e a vontade de viver aumentou exponencialmente. Sobreviver, o mais importante, esteve sempre na ordem do dia. A vida continua a ser a meta a conquistar.

O mundo fechou-se e ficou escuro e malévolo. A esperança, o que dá alento até aos mais desfavorecidos pela sorte, encerrou-se numa casca dura e feia sem vontade de voltar a ser aberta. Pensou-se o pior, mas a luz chegou. Houve confinamento e muita incerteza, mas o sol veio para brilhar.

Aos poucos se aprendem novas formas de estar e de ser, maneiras de se fazer o que era costume ser de um outro modo. A maleabilidade do trabalho acarreta outros saberes e, num ápice, se aprendem técnicas que pareciam ser impossíveis. O longe tornou-se perto e a proximidade ficou mais agradável. A privação ativou a criatividade e o humor.

Desconhecidos, os que nem sabiam da sua existência, ficaram mais próximos e várias amizades surgiram em contextos pouco usuais. O contacto, o toque era arrojado e por isso o olhar ganhou outra dimensão. Tudo muda de forma lenta, mas quando a velocidade supera as expectativas o medo tende e instalar-se. Os fortes souberam fazer-lhe frente e mostrar que a garra e a fibra de cada um ainda é o maior valor.

As famílias tiveram oportunidade de se conhecerem melhor, de saber quem cada um era e como se sentia. O tempo passou a menino lento e deixou-se ficar para repousar e depois acordar com mais vigor.  Encontraram-se novas sinfonias e os sons que soltaram foram bem aceites por quem se sabe aventurar.

Temos uma nova vida para viver, novos desafios que terão de ser ganhos e provas duras para serem superadas. Aquilo que somos é a soma de tudo o que vivemos, do que aprendemos e do que sonhámos. Há dias em que o sol fica alto e sorri e nos outros, de tímido que é, esconde-se, com pudor, para chorar as suas mágoas e carpir as suas dores.

Todos os dias são novas oportunidades de viver, de abraçar a vida, de superar os limites que se pensavam ser intransponíveis! Há uma força gigante que grita no peito e que impele para continuar. As aventuras são sempre outras e os cenários podem ser pintados de cores alegres e doces. Os tons que se que ouvem, os que chamam, são calmos e enternecedores.

As janelas abriram-se, de par em par, para deixar sair os fantasmas que estavam tão bem instalados que queriam continuar. As portas são novamente os acessos que estiveram vedados e tudo renasce com novas cores e tanta intensidade que a vida, o bem maior, jamais poderá ficar esmagada e espezinhada. Quem se esquece de viver é aquele que se atormenta e nunca existiu.

A Primavera é agora, em todos os momentos em que se renovam os desejos, as vontades e os quereres. Em cada criança há um futuro que é vivido com ardor e em cada velho, em cada uma das suas rugas, há marcas de vivência, de sapiência e de muita experiência. Os que sorvem a essência, o que é emanado e solto, são os verdadeiros seres que encontram sempre o caminho e transportam consigo a luz milenar.

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