Foi nas aulas de Espanhol, ao abrigo da formação dada pela empresa, que ouvi falar pela primeira vez de O Homem Que Gostava de Cães e do autor, o cubano Leonardo Padura. O António terá apresentado esse livro (não me recordo se o apresentou ou se este surgiu em conversa durante a aula) que, segundo ele, contava a história do assassinato de Leao Trotski, não só da perspectiva do revolucionário comunista, mas também do mercenário catalão contratado pelo regime soviético para executar o trabalho, Ramón Mercader del Rio.
Terá acontecido por volta de 2014 ou 2015 (?) e nessas aulas, além do Javier, o professor, fiz dois amigos: o Jorge e o António (que em 2019 viria a fazer parte do grupo com quem fiz o Caminho de Santiago).
Padura, escritor de policiais, ganhou projecção mundial em 2009 aquando da publicação desta obra monumental. Levou dois anos a organizar as cerca de novecentas páginas de anotações históricas para escrever o livro. E que escrita!
O texto, com cerca de seiscentas páginas, vai alternando entre três narrativas que acontecem em momentos distintos: a história de Trotski, após cair em desgraça no regime do déspota e esquizofrénico Estaline; a história do seu carrasco, Ramón Mercader del Rio, desde as origens, passando pelo treino ministrado pelos serviços secretos soviéticos até ao momento em que fez história, no México, no dia 21 de Agosto de 1940; e a história de Ivan, que na actualidade recorda o conhecimento travado com um homem misterioso com quem se encontrou diversas vezes durante um período de 1977, numa praia onde este passeava os seus cães, dois galgos russos.
As três histórias vão convergindo numa leitura ao mesmo tempo simples e profunda, pejada de informação detalhada sobre os acontecimentos que talvez tenham mudado a história do comunismo e do mundo (nunca o saberemos) mas que flui pela nostalgia da vida desencantada de Ivan, e nós fluímos com ele, neste magnífico exemplar da arte que é contar uma história, uma belíssima história. Apesar de longo, as páginas voam nas imagens que plantam em nós, leitores, dos lugares, épocas e acontecimentos descritos.
A história soviética apaixona-me desde as aulas de História do 9º ano, altura em que o professor Paulo Bertrand Pereira nos deu o preâmbulo da Rússia czarista, a revolução de Fevereiro e depois a de Outubro, o terror leninista e a posterior mea culpa com a Nova Política Económica, a sua morte prematura e a subida a líder de Estaline, com o Holodomor, os ruinosos planos quinquenais e o período em que O Homem Que Gostava de Cães decorre.
Talvez este interesse incline o fascínio que o livro teve em mim, mas a escrita de Padura é tão corrida e intensa ao mesmo tempo, que é como se nos mostrasse a História de um ângulo do qual nunca ninguém antes a havia observado. Isso requer trabalho, muito trabalho, e também um grande domínio da arte da escrita.
Para quem se interessa por uma boa história, boa escrita e por viajar ao longo do século XX através dos lugares mais curiosos da natureza humana, capazes de assassinar, promover ideologias e ditaduras para além do imaginável, e ao mesmo tempo revelar um olhar sentido sobre a História, o passado e nós próprios, quase ao nível da redenção. Brilhante.