10 de Julho, Saint-Denis, França. A cidade recebeu o duelo final da grande festa do futebol europeu de 2016. Os anfitriões enfrentaram a selecção portuguesa, em mais um capítulo da já famosa rivalidade entre as duas equipas.
10 de Julho, Fortaleza, Brasil. Enquanto os adeptos certamente se ajeitavam nos assentos do estádio em França, um brasileiro solitário saía do seu pequeno apartamento, levando chapéu, bandeira e cachecol com as cores lusas, em busca de algum restaurante com televisão para assistir ao jogo.
Eram quase quatro horas de uma tarde ensolarada de Domingo, em que eu rumava à praia para ver a partida. O horário é ocupado, geralmente, pelos encontros do Campeonato Brasileiro, mas este domingo foi especial, pois as televisões abertas e do cabo transmitiram o duelo de desfecho de um Europeu que atraiu o interesse de muitos aqui do lado americano do Atlântico.
Chegaram ao encontro duas selecções com perfis muito díspares: do lado francês, um onze imponente, que venceu no seu grupo, repetiu o placar que tirou a Irlanda do Mundial de 2010 (sem as controvérsias da ocasião), goleou a valente Islândia e passou por cima de uma Alemanha forte, mas trepidante. Do lado de Portugal, uma equipa que passou como terceiro do grupo (com grande ajuda islandesa), venceu a Croácia no prolongamento, mesmo ao cair do pano, derrotou a Polónia nas penalidades e triunfou perante Gales, no único confronto decidido em 90 minutos.
Tendo residido em Portugal durante seis anos e meio, tenho grande apreço pelo povo português e pela selecção. No dia, ao relembrar as histórias de amigos que viram a final de 2004 e ainda sentiam a derrota atravessada na garganta, deixou-me mais nervoso do que o normal. Apesar de pertencer a um país cuja selecção se orgulha de ter 5 mundiais (apesar de não ganhar um há 14 anos e sofrer vergonha atrás de vergonha em tempos recentes), recordava e simpatizava com o fardo lusitano de ir bem em fases finais de europeus, mas nunca ter sido campeão. Estava presente o receio de que poderia ser apenas mais um vice, mais um desaire doloroso, mas lá também estava a crença de ver Portugal levantar o caneco e celebrar com os amigos lusos, mesmo estando longe.
Era o único com adereços verdes e vermelhos no restaurante onde vi o jogo – os portugueses que lá estavam não haviam levado nada do género. Após cantar “A Portuguesa” de cor e salteado, preparei o coração para acompanhar os 90 minutos… mas quando Payet atacou Ronaldo e deixando-o lesionado do joelho, não pude resistir ao pensamento do “já foi-se”. Tinha esperança de que ele aguentasse a dor e seguisse em campo, mas ao vê-lo sentar-se na relva, com uma das muitas mariposas que invadiram o estádio a pousar-lhe na testa, e depois ser retirado de campo na maca, já aos prantos, a apreensão instalou-se… e se não for desta? No entanto, os brasileiros sentados ao meu lado contra-argumentavam: “Agora é que Portugal tem mesmo que ganhar!”.
Sem Ronaldo e apesar de tentar alimentar o optimismo, imaginava que a França iria gastar pouco tempo para conseguir uma vitória simples, mandar na Europa da bola pela terceira vez e prolongar a penúria lusitana. Porém, ao ver Patrício fazer defesas heróicas, Pepe e Fonte a serem senhores da defesa, Griezmann errar oportunidades claras e aos poucos desaparecer no jogo, e Giroud tentar, tentar mas não jogar lá grande coisa, a esperança começou a ressurgir. Era um zero-zero em 90 minutos que tinha valido a pena, pois Portugal soube se aguentar, além de contar com o santo poste, que parou o remate de Gignac.
A julgar pelas vitórias de Portugal nas fases anteriores, era inevitável a impressão de que se vencesse (ou perdesse), seria por um golo, um lance inspirado. Apesar disso, passei o jogo inteiro a rezar para que se inspirassem no feito do Brasil em 2002 contra a Alemanha e aplicassem dois secos aos franceses. Só que com o prolongamento, isso já era pedir muito; o mantra naquela altura era “um-zero é vitória, um-zero é vitória!”. Agarrado ao cachecol desde o começo do tempo extra, saltei da cadeira com a quase-bicicleta de Quaresma, e logo depois com a bola à barra de Guerreiro. “Portugal estava por cima, quem sabe é desta!”
Lembro que na hora exacta, não estava a prestar toda a atenção por algum motivo, mas ainda consegui ver Éder fazer aquela bola saltitar na relva e parar nas redes francesas. Naquele momento, saiu um grito maior que em qualquer dos jogos da selecção do meu próprio país no Mundial passado, mesmo nos mais emocionantes. Pensei nos amigos lusos que deviam estar em casa, nos Aliados, em Lisboa, no resto da Europa, gritando junto.
Só que ainda faltava a pequena eternidade de 10 minutos até o apito final. Olhares ansiosos mais para o relógio do ecrã do que para o jogo em si. Portugal se protegia como pudesse, mas a França ainda podia empatar… nem o fora de jogo marcado aos 120 foi o bastante para dar sossego. Nos momentos finais, Rui Patrício estava com a bola na pequena área e não demonstrava pressa para cobrar o pontapé de baliza… tal como os jornalistas de rádio e os outros 11 milhões de desesperados, lá estava eu a gritar: “Apita, árbitro! Apita!”. Quando enfim apitou, foi a maior festa no restaurante. Portugal era campeão e rei do futebol europeu pela primeira vez e eu tinha presenciado esse momento histórico.
Caminhando pelo calçadão da praia de regresso a casa, era o único com uma bandeira de Portugal nas costas. Tinha uma certa vergonha, pois muito poucos sabiam o que este gajo fazia com uma bandeira em plena praia Tupiniquim. No meio de uma realidade de crise económica profunda, desilusão com a sociedade, a política e até mesmo com a própria selecção brasileira, a verdade é que aquele gesto, por mais incompreendido que tivesse sido, era o símbolo do orgulho de ter visto um país que tanto aprecio e que, apesar de passar por tantas dificuldades sociais e económicas, finalmente conseguiu um triunfo importante no desporto-rei.
Ao ouvir os relatos radiofónicos emocionados dos golos portugueses, voltam as recordações de um dia histórico. Jogaram o futebol mais lindo do Euro? Certamente não. Que parvoíce é essa de se classificar para uma fase a eliminar com três empates? Avançarem com mais empates nos 90 e a resolver as coisas no prolongamento ou em penáltis? Não é assim que as grandes selecções jogam, diziam, mas a verdade é que nenhum dos adversários pôs mais bolas na baliza a jogar contra Portugal, ou teve tanta raça e brio para consegui-lo, e, ao fim e ao cabo, foi esse o diferencial para a vitória final. Se o Brasil não for à Rússia em 2018, quem sabe Portugal não dá um jeito e chega longe?
Muito bom sua narrativa do repórter sombra; digno de ser um artigo de algum the New York Times, Le Figarror, Jorna de Notícias e por aí vai… Parabéns Victor Francisco Silva Leôncio – Cidadão do Mundo!