Michael Sandel: O que o dinheiro não compra

Seja sincero. Já não fica surpreendido com manchetes como: “Casal vende filha para poder comprar iPhone”, “Dubai oferece recompensas em ouro a cidadãos que emagrecerem”, ou “Modelo gasta 23 mil euros para ficar parecida com Pamela Anderson”, pois não? Chegamos a um ponto em que tudo funciona como objecto de compra e venda. Podemos até considerar determinadas situações ridículas, mas, lá bem no fundo, achamos normal.

Atento a esta nova postura da sociedade moderna, Michael Sandel, filósofo político e professor em Harvard, lançou recentemente o livro O que o Dinheiro não Compra, onde explica que “ao longo dos últimos 30 anos vivemos uma Revolução silenciosa. Quase que sem percebermos, deixamos de ter uma economia de mercado para nos tornarmos sociedades de mercado, onde quase tudo pode ser posto à venda”. Sandel chega mesmo a questionar-se se devem existir bens que o dinheiro não deve comprar e, se sim, quais. Na sua opinião, a moral deve ditar as leis de mercado. “O que eu invoco é a necessidade de haver fronteiras éticas. Uma sociedade tomada por essa mentalidade de que tudo pode, ou deve ser colocado à venda é uma sociedade corrompida”, afirma.

Então, afinal qual é a diferença entre economia de mercado e sociedade de mercado? Nas palavras deste estudioso, economia de mercado é “uma ferramenta – valiosa e eficaz – na organização de uma actividade produtiva”, enquanto que sociedade de mercado “é uma forma de vida em que os valores do mercado se infiltram nas relações sociais e regem todos os domínios”. É precisamente nesse ponto que nós, ocidentais, nos encontramos. Se, antigamente, a vida dos nossos  pais e avós era regida por valores como respeito, família e educação, hoje, esses mesmos valores são facilmente  colocados de parte em prol do bem económico. Os reality shows do nosso país são prova viva disso mesmo, onde a privacidade é vendida em troca, por exemplo, de filhos recém-nascidos. Em virtude desse, ou de outros exemplos é que Sandel defende que “um dos problemas de uma sociedade movida pelo mercado é que tende a permitir a degeneração das virtudes. Hoje, a lógica de compra e venda não se aplica mais apenas a bens materiais, governa crescentemente a vida como um todo”.

O que o dinheiro não compra 2 (1)Se és um liberal convicto é possível que, neste momento, estejas a questionar-te, dizendo que fazes o que bem entenderes. Nem Sandel defende outra coisa – “como liberal prefiro pecar sempre pelo excesso de liberdade individual, não o contrário”. Afinal qual é o impedimento se tanto o comprador, como o vendedor estão de acordo em relação ao preço, se não foram forçados a fazer o que fazem e se ambas as partes ganham com o negócio? Sandel responde: “simplesmente porque extrapolam os limites morais”. Nos Estados Unidos da América, se quiser estar presente num Congresso sem ter que estar durante horas na fila, pode-se sempre recorrer aos serviços de uma empresa que contrata pessoas, como sem-abrigos, ou desempregados, para o fazerem por si. Aparentemente não há nada de errado e até é uma forma diferente de dar a ganhar algum dinheiro a quem tem pouco. O problema, segundo este filósofo, é que “a mercantilização de tudo aguça o aguilhão da desigualdade”. Ora vejamos. Quem não tem dinheiro não pode dar-se ao luxo de contratar alguém para estar por si na fila e, mesmo estando na fila, arrisca-se a não ter lugar, tudo porque alguém o pode comprar. “É certo que o dinheiro decida como distribuir um certo bem?”, questiona Sandel.

Nesta história não existem inocentes. Somos todos culpados e nem as crianças escapam. Elas preferem receber dinheiro como presente do que um brinquedo. Sabemos disso e deixamo-nos levar. “Guarda no teu peteiro”, dizemos, mas e o que é que fica? O que é realmente importante? Quer dizer que chegamos ao fim da linha, que até os sentimentos compramos? O mundo está a viver uma viragem económica e nem isso nos tem feito parar para pensar. Deixamo-nos de tal forma levar pelos valores do mercado, que até já vendemos um filho por um iPhone. Será que é isto que queremos para as gerações vindouras, uma sociedade onde está tudo à venda? Tal como refere Michael Sandel “está na hora de perguntarmos se queremos viver assim”.

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