Nos últimos tempos, o futebol feminino em Portugal tem sido um tema em voga. Os jogos da selecção nacional feminina têm sido transmitidos em directo na TVI24 e começam a não ser novidade as reportagens que focam as dificuldades que sentem as jovens dos 10 aos 40 anos, quando a paixão passa pela prática de um desporto que em Portugal é essencialmente amador. Parece-me a mim que a Federação Portuguesa de Futebol está a trabalhar bem, mas apenas e só na promoção da modalidade.
Vou já confirmar um mito: sim, o futebol feminino é diferente. Sem dúvida que é. Como adepto que sou, que assiste a jogos ao vivo e segue a nossa selecção, posso afirmar que é um futebol menos físico. Há menos intensidade, menos choque, talvez menos velocidade. Compensam a menor propensão física com grande rigor táctico e muita qualidade técnica. Neste prisma, acreditem que há jogos bem mais agradáveis de seguir no feminino. Só que parece não ser possível quebrar alguns estigmas e presunções. O adepto mais céptico tende a comparar com o futebol que tem por hábito ver e vai pensar obrigatoriamente em Benfica, Porto e Sporting, esquecendo-se que o futebol feminino em Portugal é amador. Se se atrever a fazer a comparação com uma equipa da 2ª ou 3ª divisão, vai perceber que as diferenças anulam-se.
Mesmo amador, as competições femininas organizadas pela FPF funcionam e têm até patrocinador. A principal competição é o Campeonato Nacional Feminino Allianz. São 10 as equipas participantes e o Clube Futebol Benfica, também reconhecido como “Fofó”, faz a defesa do título. Há a Taça de Portugal Feminina Allianz, em que o mesmo Futebol Benfica procura repetir o êxito alcançado no Estádio Nacional. E no início desta época disputou-se a primeira edição da Supertaça Futebol Feminino Allianz, também conquistada pelo Futebol Benfica.
A 2ª divisão, Campeonato Feminino de Promoção, divide-se em 4 séries definidas geograficamente e por aqui encontramos alguns emblemas mais notórios, casos do Belenenses ou Estoril-Praia. Existe também uma Taça de Promoção Feminina. Já o futebol jovem, que tem crescido a olhos vistos, organiza-se em escalões de sub-17 e sub-19.
Este é um panorama prestes a mudar radicalmente. A Federação Portuguesa de Futebol, tentando atrair adeptos para o futebol feminino, resolveu criar uma nova fórmula para as competições nacionais. O problema é que ainda ninguém sabe que fórmula é essa. Apenas que a ideia essencial passa por criar uma Liga de Elite que se torne atraente para adeptos e clubes.
Para esta Liga de Elite (coloco desde já grandes reservas quanto a este nome) a FPF começou com a ideia peregrina de convidar os clubes da Primeira Liga masculina para entrarem directamente no novo formato do principal campeonato feminino. Tentava atrair os grandes, especialmente estes, para com eles surgir o normal séquito de súbditos. A ideia parece simples. Com os clubes grandes, há mais interesse de adeptos, logo há mais patrocínios, e o dinheiro vai-se movimentando. Porém, esta ideia, que parece irreversível, levanta alguns problemas, alguns deles morais e de ética desportiva.
A começar, poucos foram os clubes que se mostraram interessados. O S.L.Benfica respondeu oficialmente rejeitando o convite e assinalando que um projecto destes não pode surgir assim, ressalvando a necessidade de haver organização, infra-estruturas, e contratações de jogadoras. Já o Sporting de Braga sorriu de orelha a orelha. De facto, o clube minhoto já tinha anunciado a criação da divisão de futebol feminino e assim de repente, sem saber como, vê-se a competir no quadro principal, na tal Liga de Elite. Ao invés, clubes que há anos constituem a realidade do futebol feminino, têm que conquistar o seu lugar investindo e lutando para muitas vezes não o conseguirem. É assim, uns chamam-se Sp. Braga, outros UD Ponte Frielas, por exemplo…
Depois há o caso do Estoril-Praia. Milita no campeonato de promoção e recentemente perdeu por muito pouco um lugar que lhe permitia disputar a hipótese de subida. O clube da linha investiu muito nos últimos anos, criando uma escola de formação feminina e construindo uma infra-estrutura com campos e balneários de grande qualidade. Os resultados começam a aparecer, mas agora não saberão o que fazer. Na próxima época, lutarão de novo para a ambicionada subida, ou como sendo um clube da primeira linha terão direito a um convite? Subirão automaticamente? Correm o risco de na próxima época estarem a disputar a Liga de Elite, ao passo que o CAC Pontinha que ficou à sua frente e venceu a divisão regional, arrisca-se a não o conseguir (os quatro vencedores regionais vão jogar entre si para definir os dois melhores).
E o que vão fazer os clubes que quiserem criar uma equipa para aceder ao convite da FPF? Como mais ricos, vão certamente recrutar aos actuais clubes, atingindo-os fortemente e pondo em causa anos de trabalho.
Perante estas situações, o sentimento que existe entre quem conhece de perto a realidade do futebol feminino, é um sentimento de injustiça. Vão-se prejudicar injustamente os clubes que fizeram crescer o futebol feminino ao ponto de a FPF se interessar nele. Esta é a verdade e um clube como o Futebol Benfica, Campeão Nacional, vencedor da Taça e da Supertaça, representante de Portugal na versão feminina da Liga dos Campeões, arrisca-se a ser engolido pelos vizinhos da capital. Porque não pensou a FPF em apoiar dignamente este e os outros clubes? O apoio da FPF, com os critérios e rigor necessários, resultaria na melhoria de condições de treino, apoio e compensações a jogadoras que durante o dia estudam ou trabalham. Surgiria uma evolução qualitativa, atraindo, então, outros clubes, grandes ou não, a criarem as suas equipas, ajudando a haver cada vez mais atletas.
Digo eu que o crescimento tinha que ter como caminho o apoio digno aos clubes actuais, fazê-los crescer e dar-lhes condições para apoiarem condignamente as suas atletas e equipas técnicas. E sem nunca esquecer um imprescindível apoio directo à formação dos clubes, de modo a que criem verdadeiras escolas de futebol, e permitam que tanto hajam mais jovens a dedicarem-se à modalidade, como que as raparigas dos 8 aos 12 anos encontrem o seu espaço, quando hoje vêm-se obrigadas a jogar com os rapazes.
No fundo e de forma algo superficial, reconheço, se a FPF tem a intenção de reforçar significativamente o orçamento para o futebol feminino, que o dedique a quem tudo tem feito por ele, não em quem só por si já tem orçamentos maiores que todos os clubes do futebol feminino em Portugal!
Excelente texto denotando bastante conhecimento da realidade. Já ando por “estas paragens” há cerca 30 anos e o exemplo dado do U D Ponte Frielas é paradigmático de quem desde há muitos anos se dedica ao Futebol Feminino. Vidé o caso Belenenses (8º classificado do Campeonato de Promoção) integrado na Liga “Elite”. O futebol feminino precisa de mais espaços de opinião como este. Obrigado “repórte sombra”.