A intranquilidade de Paulo Bento

Como jogador, fazem parte do seu currículo equipas como o Estrela da Amadora, Vitória de Guimarães, Benfica, Oviedo e Sporting. Perfez 35 internacionalizações pela Selecção Nacional, incluindo presenças nas fases finais do Europeu de 2000 e do Mundial de 2002.

Como treinador, começou a sua actividade na época de 2004/2005 ao serviço da equipa júnior do Sporting. Essa experiência acabou por se revelar no seu passaporte para a equipa principal leonina e, até ao momento, o Sporting é mesmo o único clube que comandou. A outra experiência foi onde todos nós sabemos, na Selecção Nacional.

Falo, claro, de Paulo Bento. Nascido no dia 20 de Junho de 1969, um homem de raça, um homem teimoso, um homem (in)tranquilo, um homem genuinamente português… para o bem e para o mal.

Em 1989, começava a carreira – no que diz respeito ao primeiro escalão do futebol português – de um médio defensivo que todos nos habituámos a ver na televisão e nos grandes palcos do desporto rei em Portugal. Paulo Bento representava então o Estrela da Amadora e por lá ficou, durante duas temporadas. O momento alto da passagem pela Reboleira foi a conquista da Taça de Portugal, onde Paulo Bento marcou um dos dois golos da equipa, na vitória por 2-0 sobre o histórico Farense. Duas épocas depois, rumou até ao Vitória de Guimarães. Foi a representar a equipa vimaranense que surgiu a primeira chamada à Selecção. Contudo, a afirmação na equipa das quinas só chegaria uns anos mais tarde.

Aos 25 anos de idade, Paulo Bento dava o salto para um dos grandes, o Benfica, mas a passagem foi curta – apenas duas temporadas, onde só adicionou mais uma Taça de Portugal ao leque de troféus. O que até então tinha sido uma carreira sempre em curva ascendente sofreu um pequeno reverso na sua primeira e única experiência além-fronteiras. Paulo Bento foi transferido para o Oviedo, de Espanha. Apesar de se tratar de uma equipa de segunda linha, foi lá que conseguiu consolidar o seu estatuto de internacional português. Nas quatro épocas em que representou o Oviedo, alinhou por Portugal, em jogos oficiais, por 22 vezes. Estava confirmado o estatuto de Paulo Bento: um elemento essencial para o nosso futebol, um jogador com um espírito de liderança que já se manifestava dentro das quatro linhas, deixando adivinhar um futuro como treinador.

A intranquilidade de Paulo Bento enquanto jogador deu o ar da sua graça no Europeu de 2000. Altura em que foi suspenso pela UEFA na sequência do polémico Portugal-França a contar para as meias-finais dessa competição (Portugal foi eliminado). Porém, foi após esse incidente que foi contratado pelo Sporting, clube onde acabaria a carreira como jogador profissional. Em Alvalade, conseguiu finalmente o título de campeão nacional que lhe faltava, somando mais uma Taça de Portugal à vitrina de troféus e, ainda, duas Supertaças.

Pode-se dizer que a carreira como jogador foi pautada por um grande sucesso a nível nacional e um sucesso moderado a nível internacional. Com uma, ou duas “pedras no caminho”, a progressão foi feita, quase sempre, em curva ascendente. Na temporada de 2003/2004, quando o seu lugar já era ocupado habitualmente por Custódio, Paulo Bento não se conteve em meias medidas e pendurou as botas. Não se arrastou, saiu ainda com todas as lembranças dos triunfos e dos sucessos bem frescas na memória.

Foi aqui que começou um novo desafio: treinar a equipa de juniores do Sporting.

PB

O choque visual de contemplar Paulo Bento no banco não foi fácil de digerir, estávamos habituados àquela figura perto da marca do meio-campo do relvado e não no banco de suplentes a dar indicações. A verdade é que tudo começou bem, na época de estreia foi campeão nacional de juniores e, em 2005, na sequência da polémica que se vislumbrava no clube leonino, Paulo Bento acabou por ser promovido para a equipa principal, numa altura em que ainda nem tinha as habilitações necessárias ao nível técnico e de formação.

No início, tudo funcionou bem, com muita tranquilidade. A sua personalidade forte, com uma disciplina, que colocou o balneário em sentido, e uma filosofia de jogo que privilegiava a cultura táctica e a solidez defensiva, foram características que encaixaram na perfeição num Sporting em ruínas. Mesmo com muitos problemas estruturais, o Sporting ainda disputou os troféus nacionais até ao fim, no entanto, sem conseguir vencer nenhum.

Uma coisa era certa: Paulo Bento tinha o apoio dos adeptos.

Três temporadas depois, o saldo totalizou duas Supertaças, duas Taças de Portugal e um 2º lugar no campeonato, que teve a particularidade de ficar apenas a um ponto da liderança. Mesmo sem alcançar o título de campeão, foi atingido o feito inédito de qualificar os leões três vezes consecutivas para a Liga dos Campeões. O seu ciclo como treinador do Sporting estava, em teoria, terminado, mas não foi isso que aconteceu com a eleição de José Eduardo Bettencourt para a presidência do clube. Paulo Bento acabou por renovar contrato e as coisas começaram a correr mal…

Um início medíocre – na época de 2009/2010 – foi também o início do fim em Alvalade. Os adeptos que até então tinham estado ao lado do treinador começavam a perceber e a contestar a sua teimosia. Com falta de condições, de vontade, de paciência e, lá está, de tranquilidade, Paulo Bento pediu a demissão do cargo no dia 6 de Novembro de 2009.

Seguiram-se dez meses de interregno que só terminaram, quando foi apresentado como o novo seleccionador de Portugal. A maior parte dos seus colegas de profissão que eram chamados a prestar declarações sobre Paulo Bento viam-lhe características essenciais para o papel. Entre elas, estava o seu rigor táctico e, principalmente, a sua capacidade de disciplina tão vital para o bem-estar e o bom funcionamento de uma selecção.

Começava, então, um percurso retirado a papel químico do seu início no Sporting. Paulo Bento auferiu a herança envenenada de Carlos Queiróz. Portugal estava muito atrasado na campanha de apuramento para o Euro 2012 e precisava, urgentemente, de resultados. E sim, Paulo Bento esteve à altura do desafio, conseguiu moldar a selecção ao seu estilo e atingiu o objectivo do apuramento com uma prestação quase irrepreensível. Mais do que isto, a prestação de Portugal no Campeonato da Europa foi das melhores de sempre. Quem não se lembra de vibrar com as exibições nacionais? Quem não se lembra de sofrer com a nossa eliminação, apenas nas meias-finais, frente à Espanha, por desempate na marca das grandes penalidades?

No entanto, como bom teimoso que é, a prossecução da réplica experimentada no Sporting perseverou. O apuramento para o Mundial do Brasil em 2014 foi conseguido nos últimos cartuchos, ou seja, no play-off, e, estando lá, Portugal foi eliminado ainda na fase de grupos onde só tinha a Alemanha como adversário de qualidade superior.

Os erros de Paulo Bento foram quase todos cometidos muito antes dos resultados começarem a correr mal, mas, como é óbvio, foi nessa altura que se expuseram às bocas do mundo. Os afastamentos de certos jogadores da Selecção, a alegada cedência às pressões de empresários (essa doença do futebol contemporâneo), a teimosia nas convocatórias que só ele compreendia, tudo isto acabou por ser a sentença de um homem com qualidades técnicas, só que com muita intranquilidade disfarçada de tranquilidade à mistura.

Mais uma vez (lembram-se da renovação com o Sporting, quando o seu ciclo já tinha terminado?), Paulo Bento renovou contrato com a Selecção, quando todos já pediam a sua substituição. O resultado foi uma nova convocatória que não passou do mundo das intenções de mudança tão apregoadas. A derradeira gota de água acabou por ser uma escandalosa derrota contra a Albânia (0-1) para o apuramento para o Euro 2016, resultado que ditou o que já era apenas uma questão de tempo: a saída do técnico do cargo de seleccionador nacional.

Já fora de funções, a intranquilidade de Paulo Bento deu mais um ar de sua graça. A entrevista que concedeu à RTP, poucos dias depois da rescisão de contrato, ainda tem, hoje, tópicos que ficaram por explicar:

  1. Fernando Gomes desejava a continuidade do treinador, mas alguém não queria. Quem?
  2. Cristiano Ronaldo teve influência na decisão?
  3. O que se passou no Mundial 2014 nunca esteve esquecido, porque é que as responsabilidades não foram atribuídas a quem deviam ter sido?

Se Paulo Bento nunca acusou ninguém, também nunca se inquietou em refutar certas teorias de polémica envolta no balneário da Selecção Nacional. Não deveria um homem com a suposta inteligência futebolística do ex-seleccionador ser o primeiro a apaziguar a situação? São muitas questões e poucas respostas.

Paulo é um homem profissionalmente intranquilo. Duas experiências similares, a começar bem e a acabar mal, revelam que a sua falta de paciência e a sua teimosia não são compatíveis com as funções de treinador/seleccionador. Ainda há tempo para provar o contrário e colocar um risco ao meio entre o passado atribulado e um futuro risonho, mas os dados que existem são estes e não abonam a favor da versão de Paulo Bento de fato e gravata. Ao que parece, tinha mais jeito com as chuteiras nos pés.

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Comments 4
  1. Respondendo às perguntas colocadas no texto:

    1. Alguns jogadores, pelo menos, não o queriam… mas foi a decisão do Fernando Gomes. Uma pessima decisão logo a seguir ao Mundial 2014.

    2. Não sei se teve, mas se não teve, foi porque não quis. Mas muitos jogadores já estavam cansados das guerras que ele criou com alguns… assim com o facto de ter deixado grandes jogadores de fora das convocatórias.

    3. No Mundial 2014 saimos derrotados muito antes do 1º jogo com a Alemanha. Começou em varias más decisões nas convocatórias, a maneira como encararam os jogos (A Alemanha foi para lá estagiar bem mais cedo – Para mim, foram campeões do Mundo, dentro e fora de campo, digam o que disseem…) e, depois, na minha opinião, achei muito mal tanta conversa com o facto do Ronaldo estar (ou não) a 100%. Eu sei que ele é o melhor jogador do Mundo, mas… há outros grandes jogadores na Selecção. E a pensar dessa forma, é começar o 1º jogo já a perder 3-0 (como dizia o José Maria Pedroto…).

    Anyway… bom texto! Continua, amigo! 😉

    1. Obrigado pelo teu feedback Miguel!
      És da opinião que um jogador – mesmo sendo o Ronaldo – pode ter influência directa na demissão de um seleccionador?
      Concordo em absoluto contigo em relação à preparação deficiente que tivemos para o Mundial 2014. E sim, o problema começou logo no nosso estágio tardio. Como também partilho da tua opinião sobre o excesso de notícias sobre o nosso capitão na comunicação social, é uma centralização desnecessária e prejudicial.
      Mais uma vez, obrigado!

      1. Sim! Acho que, bastava o Ronaldo querer e tornava-se “dono” da Selecção (duvido que ele se meta em certos assuntos internos… mas só não se mete, porque não quer!). Basta veres o que criam à volta dele, toda esta conversa sobre ele e, assim o fizeram, durante o Mundial, dando a entender que a Selecção era “Ronaldo + 10”, menosprezando, completamente, os restantes jogadores.

        OBVIAMENTE que não o culpo por isto, culpo sim, a comunicação social, que fala dele insistentemente. Logico que é o melhor jogador do Mundo, muito possivelmente, o melhor jogador Português de todos os tempos, será um dos melhores de sempre, é uma grande figura do desporto português, mas… quando se fala tanto de um jogador e se menospreza os restantes, acho que só temos a perder com isso.

        Um exemplo: Poucos falam de um Rui Costa (Ciclismo), de um Marcos Freitas (Tenis de Mesa), assim como de outros bons futebolistas portugueses que actuam, tanto em Portugal, como no estrangeiro.

        Basicamente, com isto tudo, não estou a criticar o Cristiano Ronaldo em si. mas sim muitas pessoas que quase nem apoiam a Selecção Nacional num todo, mas sim o Ronaldo, em particular…

  2. Bom artigo. O estilo do Paulo Bento é aquele que se desgasta rapidamente, daí ele começar bem e depois ir decaindo com o tempo, tem personalidade forte e exige muito dos jogadores, é extremamente teimoso, mas depois falta-lhe o talento técnico que permita suportar essa exigência brutal durante muito tempo fazendo com que sejam os próprios jogadores a “fazer-lhe a cama”.

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