Lady Anne Clifford, uma feminista antes do tempo

Foi redescoberto um retrato de Lady Anne Clifford (1590-1676), da autoria do pintor William Larkin (c. 1580-1619), responsável pelo retrato de grande parte da aristocracia da corte de Jaime I (1566-1625), recentemente adquirido pela National Portrait Galery por 275 mil libras. O retrato, anteriormente desaparecido, embora se soubesse da sua existência por diversas referências literárias, foi descoberto numa colecção privada europeia.

A identificação da retratada foi possível graças à comparação com outras pinturas suas.

O retrato de Lady Anne Clifford, por William Larkin
O retrato de Lady Anne Clifford, por William Larkin

Lady Anne Clifford era filha do terceiro Conde de Cumberland, George Clifford (1558-1605), e de Margaret Russel (1560-1616), dama de Isabel I (1533-1603) e filha do segundo Conde de Bedford (1527-1585). O casal teve três filhos, mas a única sobrevivente fora a única filha, Lady Anne. Nasceu a 30 de Janeiro de 1590, no Castelo de Skipton, e foi baptizada no mês seguinte, na Igreja desse lugar, no Yorkshire. Enquanto criança, Lady Anne foi alvo da atenção das cabeças reais: foi favorita de Isabel I e de Ana da Dinamarca (1574-1619), mulher de Jaime I da Inglaterra, tendo participado em diversas representações teatrais na corte.

Em 1605, após a morte do pai, tornar-se-ia a 14ª baronesa de Clifford suo jure, isto é, de direito próprio, e High Sheriff of Westmorland. Apesar desse facto, o seu pai havia nomeado seu herdeiro seu irmão, Francis Clifford, 4º barão de Cumberland.

Toda a sua adolescência foi envolvida numa longa e complexa batalha legal para obter as propriedades familiares, em vez das 15 mil libras que o seu pai lhe deixara. Seria apenas com a morte do único sucessor de Francis, o seu filho Henry, sem descendência masculina, em 1643, que Lady Anne conseguiria reaver as propriedades familiares, embora tomando posse apenas em 1649. A partir desta data, inicia um processo de restauro e melhoria na maior parte dos edifícios das suas propriedades, nomeadamente no castelo e na Igreja, situados na sua grande maioria, no norte de Inglaterra: Skipton, Pendragon, Appleby, Brough e Brougham. Numa destas propriedades, Appleby, construiu asilos para viúvas carenciadas.

Para além destes trabalhos de restauro e beneficência, encomendou igualmente vários trabalhos relativos à história da sua família, como forma de a enaltecer. Dentro desses trabalhos, destacam-se os “Great Books of Record”, dos quais se destacam uma autobiografia, com o relato sobre as viagens do pai e a transcrição da correspondência de sua mãe.

Retrato do 3ºConde de Dorset, Richard Sachville (1589-1624), por William Larkin
Retrato do 3º Conde de Dorset, Richard Sachville (1589-1624), por William Larkin

Foi casada duas vezes. Na primeira, a 27 de Fevereiro de 1609, casou com o terceiro Conde de Dorset, Richard Sachville (1589-1624), de quem teve cinco filhos, dos quais apenas sobreviveram as duas raparigas. Após a morte deste, em 1624, casou segunda vez com o Conde de Pembroke e Montgomery, Philip Herbert (1584-1650) em 1630.

À data da sua morte, Lady Anne era, provavelmente, a mulher mais rica de toda a Inglaterra. Por esta intensa actividade de gestão dos seus bens, pouco característica nas mulheres da sua época, arredadas das partilhas sucessórias e consequentemente da gestão patrimonial, bem como os esforços jurídicos no sentido de recuperar a fortuna paterna, foi considerada por muitos como uma proto-feminista. Foi patrona de escritores e literários e, pelos seus escritos autobiográficos, como diários e correspondência, tornou-se igualmente uma figura literária. Faleceu octogenária, em Brougham, estando sepultada na Igreja de São Lourenço, Appleby, uma das igrejas por si restauradas.

Os seus diários demonstram que terá posado para o pintor William Larking, durante o Verão de 1618, tendo ela 28 anos. O artista terá pintado dois retratos. Um permaneceu em Knole, Kent e o outro, recentemente descoberto, terá sido enviado para o seu primo. Este último foi somente agora encontrado numa colecção privada alemã, por Mark Weiss, da Weiss Gallery, quando este efectuava uma avaliação, tendo-o reconhecido logo como o retrato perdido, visto conhecer bastante bem a obra do pintor em questão. A sua aquisição foi possível graças à doação de setenta mil libras do Art Fund, bem como de 45 mil libras de contribuições privadas.

Catharine MacLeod, curadora da secção de retratos do século XVII na National Portrait Gallery, refere a importância do retrato, sobretudo, por representar uma figura tão proeminente do século XVII inglês. A representação facial da retratada é, na sua opinião, particularmente refinada e subtil, revelando personalidade e individualidade, características fora do comum nos retratos ingleses desta época.

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