Terão, possivelmente, ouvido falar do filme “Solaris” de 1972? Não? E o de George Clooney, com o mesmo título, em 2002? Ah! Agora sim. Também é baseado numa obra de Stanislaw Lem. Quando comecei a investigar as origens do filme “O Congresso” (2013) , na primeira parte deste artigo (psst… se chegaram aqui de para-quedas, aconselho a darem um pulinho aqui, primeiro), deparei-me com este autor de sci-fi, que me tinha passado despercebido até agora. Nascido de uma família profundamente religiosa, foi nos anos de adolescência que se auto declarou como ateu e apesar de, por insistência do pai, ter estudado medicina, foi no sci-fi que encontrou a sua vocação.
The World appears to me to be put together in such a painful way that I prefer to believe that it was not created intentionally.
– Stanislaw Lem
Contudo, Lem foi muito mais do que um autor de ficção. Explorou temas como a natureza da inteligência humana e as suas limitações, o lugar da humanidade no Universo e a especulação de tecnologia futurista. As suas obras são ao mesmo tempo filosóficas e satíricas, esperançosas e pessimistas. Lem acreditava que o ser humano perante a presença de inteligência extraterrestre, falharia redondamente em comunicar, em fazer-se entender. Ou que o avanço tecnológico traria por consequência uma utopia falsa onde o Homem perderia a sua própria essência. Lem é conhecido por ter acertado em muitas previsões do futuro, tais como a internet, a Google, tablets e até realidade virtual e nanotecnologia (recomendo, mais uma vez, este artigo). Não estaremos nós agora a viver, uma espécie de distopia com os narizes enfiados em pequenos aparelhos que nos abstraem da amargura da vida real?
Contemporâneo à era do Estalinismo, a sua vida fora dos livros poderia ela mesma ser uma novela. A Polónia deparava-se com o abuso indiscriminado da censura pelo regime comunista e muitas das suas obras só foram publicadas muitos anos depois de serem terminadas, coincidindo com a morte de Estaline e pouco depois com o chamado “Outubro Polaco”, quando o país conseguiu uma libertação temporária e muitas obras conseguiram sair à luz.
Pioneiro num sci-fi que apontava mais à especulação de possíveis futuros do que futuros fantasiosos, considerava-se futurologista. Confesso que nunca tinha ouvido falar em tal coisa. Que vem então a ser a Futurologia? Mais corretamente dito, Estudos Futuros é um ramo das ciências sociais que usa a História da Humanidade como ponto de partida para a elaboração das suas teses. Apesar de considerada por alguns como uma pseudociência, por não ser tão facilmente provada como as ciências naturais ou as outras ciências sociais, é hoje em dia uma disciplina académica em vários países, existindo já organizações oficiais de Estudos Futuros. Mas porquê o ênfase neste “s” no seu título? Porque o objectivo nunca foi a previsão de um futuro único, mas sim a percepção de futuros alternativos. Através da análise de tendências sociais, políticas, históricas, ambientais e económicas, no passado e no presente, é possível visualizar quatro categorias de futuros: os possíveis, os prováveis, os preferíveis e os chamados “wildcards”, eventos de pouca probabilidade, mas de possível alto impacto na sociedade. Por exemplo, enquanto alguns acreditam no iminente colapso do ecossistema do Planeta Terra, outros creem que o ecossistema sobreviverá indeterminadamente.
Um futurologista excluirá sempre, da sua investigação científica, qualquer meio esotérico e sobrenatural na previsão dos futuros. Nem se focará nunca, em predições a curto prazo. Tal como Stanislaw Lem, outros estudiosos, dos quais certamente já ouviram falar, enveredaram pela análise empírica versus noológica (ou seja, experiência versus pensamento lógico) da natureza humana como condicionante de possíveis futuros. Nomes como Thomas More, humanista renascentista e autor de Utopia (1516). Obra que, baseada na República de Platão, nos descreve uma ilha idílica onde vive a sociedade perfeita, usando este cenário fictício como uma sátira ao ambiente sócio-político da época. Ou nomes como H.G. Wells que previu e acertou, por exemplo, na formação de uma União Europeia, no inglês como língua dominante ou até mesmo no declínio das restrições morais com a procura da liberação sexual tanto por homens como por mulheres (pelo menos nas sociedades ocidentais). Ou Jules Verne, que apesar de nunca se ter considerado como escritor de sci-fi (o termo futurologista ainda não era comum), maravilhou-nos com a sua mente criativa, criando utopias dentro de utopias, acertando também na invenção de submarinos elétricos, helicópteros, hologramas e exploração espacial (o Homem na lua).
Os Estudos Futuros são, hoje em dia, usados no mundo empresarial, fazendo parte integrante da gestão de riscos, seja em questões ambientais, sociais ou económicas. O mais fascinante desta ciência é sem dúvida o facto de conseguir prever futuros alternativos possíveis ou prováveis. Prepara-nos com antecedência para os cenários mais negativos, sendo a sua finalidade mais prática: a construção de ferramentas hoje para moldar o amanhã. Afinal de contas, excluindo teorias da conspiração em que não passamos de uma experiência de laboratório de uma raça de lagartos humanoides (teoria direitinha da “darkweb”), somos agentes ativos nas nossas próprias vidas. Quem melhor que nós para moldarmos o nosso futuro e por conseguinte, o futuro da humanidade? Principalmente, a questão ambiental e as previsões catastróficas que cada vez mais se aproximam do nosso tempo de vida.