Enquanto meio mundo padece no desespero por um grão de arroz, outro meio acotovela-se numa oferta tal, que incentiva e impele à criação de canais TV exclusivos em concursos de apresentação e degustação de alimentos. A ironia destes extremos, além de deixar cabisbaixos os corações mais sensíveis, torna-se ainda maior, quando ousamos saber o que comemos, na realidade.
Verdade, ou consequência?
A ‘Lei da oferta e da procura’ impera nos países ditos civilizados e desenvolvidos. Nos últimos 50 anos, entranhou-se nas massas socias que apenas o cientificamente comprovado é aceitável. O espírito crítico é abalado por um quase número infinito de estudos para comprovar tudo e mais alguma coisa, toda e qualquer teoria, mas sempre, sempre ao abrigo da ciência e em nome do desenvolvimento.
Estaremos, de facto, mais desenvolvidos, ou apenas mais modernos? A resposta está no conteúdo do nosso prato. De forma subtil, os alimentos oferecem-nos mensagens silenciosas daquilo que somos e nos tornámos. Muitas conclusões se poderão tirar. Um simples grão de milho tem em si gravadas nano-mensagens tácitas, encriptadas na essência que foi obrigado a assumir, maquilhando-se de um típico amarelo luminoso.
Ainda que todos o sintamos, ainda que todos o saibamos, não custa enfatizar que a alimentação trata-se de uma das necessidades básicas à nossa existência, não sendo para isso preciso recorrer à ‘Pirâmide das Necessidades de Maslow’, ainda que ajude. Entendemos cruamente que precisamos de nos alimentar para subsistir e existir.
Comemos, ou Alimentamo-nos?
O pós II Grande Guerra Mundial fez extrapolar conhecimentos de produção industrial para uso comum das sociedades. A necessidade de alimentar grandes aglomerados populacionais, muitos deles esfomeados em plena Europa, aguçou o interesse de investir em técnicas de produção alimentar aceleradamente e com êxito na oferta às populações. O interesse económico adensou-se de tal ordem, que hoje em dia as auto-estradas são diariamente cruzadas com milhares de camiões responsáveis pelo transporte de géneros alimentares a todos os milímetros populacionais.
Uma vez que “nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”, a produção alimentar foi alvo de profundas transformações. A produção e cultivo de alimentos para consumo caseiro foi-se abandonando progressivamente pelas contingências devastadoras de guerras. Incentivos económicos e grandes estratégias de marketing fomentaram o desinteresse, ou mesmo abandono da agro-produção caseira, estimulando-se a compra de produtos prontos a comer, com o máximo esforço ser o de estender um braço a uma prateleira de qualquer espaço comercial.
Discussões sobre quando semear feijões, colher figos, ou reprodução de bovinos foram substituídas por em que loja encontrar determinado artigo, sob o mote de uma excelente apresentação, um preço mais ou menos alto e de uma moda moldada pelo marketing. Saciamos a fome e a gulodice com artigos empacotados em embalagens coloridas que nos fazem sorrir, distraindo a atenção para o essencial, aquilo que exactamente são.
As propriedades dos alimentos dizem-se hoje mais enaltecidas, guarnecidas pelo avanço da ciência no conhecimento de nutrientes e forma de manipulação dos mesmos. Assim, o que antigamente era apenas uma água fresca da fonte, hoje é uma água com pH descriminado, estudada na sua composição mineral, sujeita a estudo microbiológicos, muitas vezes com a ousadia de acrescento de aromas sintéticos e corantes. Aquilo que era óbvio em subsistência enraizou-se nas mentalidades como uma selecção ponderada face à oferta. O grande aliado do mercado alimentar é o medo. O medo apoderou-se das massas, sendo motivo de avaliação nas escolhas seguras de artigos prontos a consumir (mesmo que seja um pequeno bago de uva).
De onde?
Temos à disposição artigos alimentares de todo o globo. Os mercados chamam de cozinha internacional aos sabores mais exóticos e arrojados. Porém, a fruta, vegetais e até mesmo carnes tidos como os artigos mais sensíveis e de fácil degradação, percorrem hoje milhares de quilómetros e chegam-nos com ar de vender saúde.
Quem colhe fruta de uma árvore, mesmo de tratada (ao que se dá a denominação de curada) e deixa repousar alguns dias, percebe a rapidez com que se degrada. Acontece que mesmo estes artigos são trabalhados de modo a servir um mercado maquilhado de boas aparências e cores bonitas, ocultando-se os processos a que foram sujeitos. Percebemos facilmente que, mesmo uma simples maçã, já nos chega com mais ingredientes, dos quais desconhecemos os efeitos na nossa saúde e o modo como interferem na assimilação dos nutrientes básicos do alimento em questão.
Sabemos o que comemos?
Esta é uma questão que crescentemente tem assaltado a consciência de muita gente. A preocupação com o conhecimento concreto e específico daquilo que se tem à disposição para comer é um assunto que se torna todos os dias mais actual na inquietação de quem ousa intuir um parcial desconhecimento daquilo que se come.
Na era da fast food, prevalecem processos industriais à semelhança de uma fábrica de peças de automóveis na produção daquilo que se chama alimentos. Servirá aquilo que comemos para nos alimentar? Ou apenas para nos saciar a fome e a vontade de comer?
A adulteração do alimento original impõe alterações às suas características que, naturalmente, influenciam os processos químicos de processamentos e degradação dos alimentos no interior do nosso corpo.
Que segredos ingerimos?
A condição de ser humano enquanto ser racinal, faz-nos acreditar em muitas coisas que não vemos, não sabemos, nem conseguimos provar, mas que, ainda assim, defendemos. Acredita-se nas mais variadas formas de comunicação e informação dos mass media, deposita-se confiança em personalidades, na ciência, na medicina e a informação chega-nos como uma verdade inabalável. Todavia, nem tudo é claro. Os processos físico-químicos não são falados, nem divulgados, assim como o uso de agrotóxicos na agricultura. Falamos de elementos que não vemos, não conhecemos, não são divulgados, aquando da compra de um artigo. Acontece que, para manter a sanidade de vegetais e frutas, na tentativa de os ilibar de insectos, os agrotóxicos são um recurso massivo na agricultura em geral e em especial em grande escala.
A verdade é que estes elementos que, supostamente, eliminam insectos indesejados, escondem muitos malefícios para a saúde humana. O problema avoluma-se pela resistência de insectos a estes químicos, o que implica um uso em doses acrescidas, levando a um silencioso e corrosivo envenenamento dos alimentos e, em consequência, agredindo grandemente a saúde humana.
Importa referir mais uma vez que não se vêem, não se dá por eles. Vivem no silêncio secreto que os alimentos carregam nos dias de hoje. Além de diminuírem a resistência do corpo humano, diminuem a resistência do organismo a infecções e agentes microbiológicos, colaborando na acção patogénica de vírus e bactérias.
Atrás de um rosto bonito e cuidado, a violação dos elementos primordiais dos alimentos implica o vigor de elementos nocivos de forma mascarada. O desconhecimento do uso de químicos e agrotóxicos torna as escolhas mais difíceis pelos segredos que não nos reservam.
A manipulação genética é outra dimensão da manipulação de alimentos. Embora polémica e algo contestada, a verdade é que nos chegam ao prato alimentos resultantes destas manipulações. Estes conceitos estão na ordem do dia. Mais do que isso, estão nas nossas mesas, nos nossos pratos, nas carnes que se comem e até na água que se compra.
Sabemos realmente o que comemos? A resposta está no incrementar de um espírito crítico face às escolhas e às estratégias de marketing. Que dúvidas não faltem, para que escolhas mais acertadas se multipliquem.