a shadow of a person on a road

Na sombra da democracia

 Não é muito fácil definir democracia e as diferentes definições existentes são prova disso mesmo. Parece ser mais fácil dizer o que não é do que aquilo que realmente é. Claro que, à letra, representa o povo (demos) como o centro do poder (cracia). Mas, o que se quer dizer com povo? Quem é o povo e como governa? A Atenas antiga é vista como um modelo de democracia, mas só uma elite tinha direitos políticos, deixando de lado uma maioria que só podia observar. Mulheres, escravos e estrangeiros não eram cidadãos, logo estavam excluídos. Não estavam em condição de igualdade em relação aos demais.

Podemos, ainda, discutir o quão diferente é a nossa conceção de democracia face à dos antigos gregos a quem admiramos o modelo de regime político. Contudo, a realidade é que a democracia só o era para alguns, deixando outros na margem, e, hoje, ainda persistem alguns desses erros.

Atualmente, apesar de termos feito progressos, continuamos a ter uns que são mais iguais do que outros. Podemos falar de democracia quando um Governo, para “combater” perceções, encosta cidadãos a uma parede? Agirá o Governo AD do mesmo modo para residentes no concelho de Cascais ou no Restelo? Um cidadão português e branco teria o mesmo tratamento?

Os factos apontam para uma evidência que serve de orgulho nacional: Portugal é o sétimo país mais seguro do mundo e o quinto mais seguro na Europa. Ou seja, em 195 países, Portugal está entre os sete primeiros mais seguros!

Um Governo que se mostra forte com os fracos não é um governo democrata e muito menos tem em mente combater falsas perceções sobre a criminalidade e a sua associação a apenas alguns grupos de imigrantes, que partilham caraterísticas comuns: muçulmanos e asiáticos.

Quando falamos em democracia, porém, não podemos apenas olhar para o poder. Afinal, o poder emana do povo e este povo não é uma entidade abstrata. Povo é o agregado de cidadãos que reside num determinado Estado e que exerce a sua soberania, através do voto, delegando o seu poder em representantes. Se ficamos indignados quando um penálti é roubado ao Benfica, por que não usamos a mesma indignação para combater a injustiça? Se ficamos chocados quando os nossos emigrantes são discriminados noutros países, porque reagimos de modo indiferente para os imigrantes aqui, tão perto?

Quando decidimos ignorar, pensando que não é connosco a violência exercida sobre outros, o que nos distingue de quem pratica esses mesmos atos? Como bem argumentou Gramsci, a indiferença é o peso morto da história e é porque os indiferentes não se insurgem que as grandes tragédias coletivas na História acontecem.

É nosso dever, e não de um qualquer provedor desconhecido, salvaguardar que o mandato de representação é exercido de um modo legítimo e no respeito dos princípios democráticos. Isto é, cumprindo os ideais da liberdade, igualdade e fraternidade, única condição para cada um poder viver dignamente e em condições de desenvolver o seu potencial enquanto ser humano. No fim, é isso que somos, humanos, independentemente da cor, nacionalidade ou qualquer outra caraterística social.

“Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado — porque não era socialista.

Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado — porque não era sindicalista.

Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado — porque não era judeu.

Foi então que eles vieram buscar-me, e já não havia mais ninguém para me defender.

— Martin Niemöller

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