As ameixas de Elvas na literatura

Se o pastel de nata é hoje famoso em todo o mundo, outro doce típico português também brilhou noutro tempo, sendo mencionado em obras literárias internacionais: as ameixas confitadas de Elvas.

As ameixas de Elvas foram consagradas num dos contos de Agatha Christie, A Aventura do Pudim de Natal. Nesse conto, cuja trama decorre numa casa de campo durante o período natalício, as “Elvas Plums” são enumeradas entre os vários doces presentes numa tradicional ceia de Natal britânica. Ao que parece, a autora dos célebres romances policiais era grande apreciadora delas. Podemos imaginá-la a tomar o seu chá das cinco acompanhado de uma ameixa de Elvas, em vez de uma bolachinha Shortbread.

– Quem diria que algo tão simples poderia trazer tanta alegria? – questionaria nessa ocasião Agatha Christie, erguendo a sua chávena de chá fumegante.

– Talvez. – responderia Poirot, com um brilho nos olhos – Os segredos mais profundos escondem-se nas coisas mais simples.

Outros exemplos da presença notável das ameixas na literatura internacional são as referências sobre elas encontradas nas obras de E.M. Forster, Howard’s End, Barbara Pym em No Fond Return of Love, e Ian Fleming em The Spy Who Loved Me.

As ameixas de Elvas, premiadas internacionalmente, encontraram o seu lugar de honra nas prateleiras da Fortnum & Mason, uma loja icónica de Londres, famosa pelas suas ofertas gourmet e produtos de alta qualidade.

Foi no início do século XIX que as primeiras fábricas em Elvas transformaram uma antiga receita conventual numa tradição de renome além fronteiras. A industrialização democratizou o consumo deste tesouro alentejano classificado como DOP. Colhidas no calor de julho, as ameixas, da variedade Rainha Cláudia, são fervidas e depois imersas em açúcar durante seis semanas resultando num doce de sabor rico. São a companhia perfeita para o tradicional Sericá, mas também para queijos, especialmente os firmes ou de cabra do Alentejo.

O autor português Nuno Franco Pires, por sua vez, nos romances Sombras da Raia e Abril, descreve cenários onde as ameixas de Elvas não são meros ingredientes, mas personagens com alma, definindo paisagens e destinos. Identifico-me com as suas palavras, que me transportam para uma Elvas familiar, onde cada ameixa é uma metáfora para as raízes profundas e os laços invisíveis que nos ligam à terra e à tradição elvense.

“Berta, a mulher de Severino, era ajuda indispensável, doceira melhor do que ela não havia em Elvas. Habituada à confeção da ameixa d’Elvas, manajeira da fábrica dos Tavares, hábil no manuseio da escumadeira, a dominar o ponto de açúcar, a conhecer como ninguém a secagem e a rigidez do fruto (…).”

Página 48 in Abril, Visgarolho Editora

As referências a alimentos sempre tiveram um papel importante na literatura ao longo dos tempos. São detalhes que não só ajudam a definir o cenário e a época, mas também a construir personagens com maior complexidade, definindo-os pelas suas preferências ou tradições. Para nós, leitores portugueses, as ameixas d’Elvas oferecem um conforto familiar, ancorando-nos a um mundo reconhecível, que para outros é exótico e sofisticado.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico

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