A minha avó paterna passava o dia em frente a uma televisão. Quando estávamos juntas contava as histórias que via. Misturava pessoas reais com personagens, notícias com enredos, preocupava-se com as pessoas que via e ouvia, com as suas aventuras e desventuras, e ao fim do dia estava mais ou menos feliz consoante o estado anímico dos que lhe tinham feito companhia invisível durante o dia.
Se a minha avó sentia isto pelas pessoas que via na televisão, agora muitos de nós, sempre on-line com os 8 biliões de pessoas no Mundo, sente-o pelas figuras que vê na televisão, no pc, no telemóvel, no tablet, no cinema, nas revistas e jornais e no evento xpto a que foi na semana passada.
São exemplo disso algumas mortes mediáticas recentes. Sem termos qualquer contato pessoal com alguns seres alvo de notícias fazemos declarações sentidas de condolências ou mais de 100 quilómetros para participar nas cerimónias fúnebres, mas quando morre o nosso vizinho, com quem discutimos na última reunião de condomínio e com quem compartilhávamos o quotidiano (o prédio tem umas paredes tão finas que se ouve tudo) somos incapazes de demonstrar qualquer ato de empatia.
A psicologia diz que esta fenómeno ocorre pelo afeto de familiaridade, ou seja, nutrimos ou desenvolvemos uma afeição pelas pessoas e coisas com que interagimos constantemente e que desejamos.
Por exemplo, eu lembro-me recorrentemente do casal de idosos que costumava caminhar no trajeto que eu fazia de carro para o trabalho. Na minha memória ´é um casal simpático, com quem nunca interagi, mas sempre que os via imaginava-me com aquela genica a passear em sítios bonitos. Esta minha memória é também um bom exemplo, de que as nossas afeições advêm também do que projetamos nos outros. Eu sem conhecer a convivência, os hábitos, as manias, a forma de estar e opiniões, apenas pela imagem de um casal a caminhar pela paisagem de Foz Tua, criei a ilusão de que seria um casal simpático e feliz, e que seriam o modelo que eu queria seguir.
A procura de modelos a seguir e de esperança que os sonhos, que nos incutem desde pequenos, se concretizam fazem-nos:
- Fazer figas para que determinado casalinho, completamente fora das nossas relações, faça as pazes e demonstre que o amor vence sempre (ou não era amor!),
- Que invejemos pessoas com vidas glamorosas que achamos que desejamos (mas todos vamos ao wc e fazemos coisas, fora e dentro do wc, que não vou aqui descrever),
- Idolatrar o x que fez aquela habilidade ou conquistou aquele prémio (mas não vemos as horas que treinou, há quanto tempo não vê os amigos ou a família, e as consequências que isso lhe trouxe),
- Ter a sorte que o y teve, que venceu e ultrapassou aquele obstáculo (mas existe sempre o lado do sofrimento, que é ultrapassável, mas que não é bonito nem cabe em texto ou imagens),
- Querer ser uma mãe de família sexy e imaculada (sabem quantas empregadas elas têm? E quantos apetrechos utilizam para ter aquele aspeto?)
Como seres sociais que somos, procuramos nos outros um “apoio fácil” de como ser e estar e ser aceite socialmente e, ao mesmo tempo, procuramos estar sempre atentos ao que os outros nos possam trazer de ameaça. Para quem cresceu sem internet houve sempre uma referência de alguém que queríamos ser quando fossemos grandes.
Hoje em dia, o leque de referências é muito mais vasto, é importante escolher os que nos levam a aspirar Ser grande na nossa aldeia, mas mais importante é sermos Maiores.