Falar de cor

Um dos grandes problemas da nossa sociedade, no geral, mas mais concretamente numa classe que tem um certo poder, a classe política, é não ter noção do poder das suas palavras na mente e nos corações das pessoas que as ouvem. Há muito que a sociedade acha que o simples falar não afecta em nada seja quem for, o que nos leva a ler e a ouvir verdadeiras atrocidades ao longo de um só dia.

Já na semana passada escrevi, neste mesmo espaço, sobre a questão do Ébola e de como as palavras podem gerar pânicos, muitas vezes, desnecessários. Esta semana, novos acontecimentos mostraram-nos que, desnecessariamente, falamos de cor e não temos noção do poder das nossas palavras. Entre a classe política e a comunicação social, percebemos que não interessa o tema, nem a sua gravidade, mas sim o dinheiro que isso pode gerar. Não importa se é uma doença, se é um orçamento de Estado, uma pequena, ou grande catástrofe natural, é triste compreender que somos manipulados a cada momento por questões financeiras. Depois, entramos nesse mesmo jogo e vivemos nessa mesma frequência, tudo porque num determinado momento as palavras “certas”, mas não as honestas, foram usadas.

Após a segunda cheia no espaço de três semanas, Lisboa viveu mais uns momentos de loucura, que originaram protestos e reclamações, devido à incapacidade da Câmara de fazer face ao problema. A resposta de António Costa, que desde há alguns meses está meio cá, meio lá, na função de Presidente da Câmara, foi o exemplo da falta de noção do poder das palavras e mostrou claramente que os dirigentes e os responsáveis falam apenas de cor, muito rapidamente, sem compreender a verdadeira projecção do que estão a fazer. Perante a questão, a resposta de António Costa foi a de uma impossibilidade de contornar a situação, algo que certamente alguém ligado ao urbanismo, provavelmente o mesmo que anda a destruir a calçada portuguesa, que permite um maior escoamento de água, lhe disse nos poucos minutos que teve entre o caos e preocupar-se com o Orçamento de Estado que o Governo apresentou no dia 15. Não me admira esta postura, até porque vem da mesma pessoa que ontem fez uma declaração, mais uma de falar de cor, a afirmar que, se for primeiro-ministro, algo que provavelmente até acontecerá, “terá todo o prazer” em devolver mais IRS aos contribuintes.

Falar de cor tem também sido uma das especialidades do Governo, provavelmente o pior acompanhado em termos de marketing e comunicação dos últimos 40 anos, que não percebeu que o cidadão, hoje, não é igual ao de há 30, 20 ou mesmo 10 anos, que a informação é mais rápida e desconectada, e que é preciso, em todas as situações, ser-se honesto com o que se diz e ligar as palavras aos actos.

Não pensemos, no entanto, que o problema é apenas da classe política. Na realidade, o grande causador desta situação é a própria vítima, o povo, que deixou de ter em conta, não a política e os actos eleitorais, mas a sua própria vida, entregando, porque dá muito trabalho ser-se esclarecido e ler alguns documentos, o seu próprio poder a um grupo. É muito fácil falar de cor e o português é pródigo nisso, pois todos somos treinadores de bancada em todas as áreas deste país, ao mesmo tempo que somos incapazes de ler um contrato, seja ele de que natureza for, do princípio ao fim.

Na semana em que se celebrou o 74º aniversário da estreia do filme O Grande Ditador, de Charlie Chaplin, vemos que hoje, como há 74 anos, infelizmente, vivemos as mesmas questões, de formas diferentes. A solução, assim como o problema, reside, apenas e unicamente, em nós.

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