Está mais do que na altura de levar os incêndios a sério

Chega o verão. Aparece uma notícia de um incêndio. Mais um. Amanhã outro. Depois de amanhã. O de anteontem ainda não terminou. Relativiza-se o assunto, porque, afinal, “com este calor é normal” e “todos os verões são a mesma coisa”. A situação torna-se tão comum, quando não o deveria ser. Estranho como os incêndios nos parecem tão naturais como o facto de o ser humano precisar de água. A linha entre a vida e o inferno é ténue, não é?

Pedrógão Grande. Junho de 2017. Arderam mais de 50 mil hectares, que lhe confere o maior incêndio de sempre em Portugal. Um relatório técnico independente, publicado em outubro, aponta como causa do fogo o contato entre a vegetação e uma linha elétrica de média tensão da empresa Energias de Portugal, resultado da falta de limpeza da zona de proteção. Nesse dia, estiveram temperaturas elevadas, vento e trovoadas secas. As temperaturas não ajudam e estão cada vez mais incertas, muito por culpa do ser humano. O cuidado por esta casa que é de todos tem de ser maior.

Basta andar uns quilómetros pelo país que vimos muita floresta ou espaços onde outrora havia muita mancha verde. Agora, restam espaços negros, queimados, vazios. E, tal como Pedrógão, já houve muitos outros incêndios preocupantes. Alguns dos mencionados pelo Diário de Notícias: o fogo na Serra de Sintra, em 1966; o de Armamar, em 1985, que conta com a morte de muitos bombeiros; em Águeda, em 1986, com 16 mortos; em 2006, na Madeira…

João Santos Pereira, no livro O futuro da floresta em Portugal, refere que “investimos menos na prevenção do que no combate aos incêndios”. Isto leva a crer que o problema – ou grande parte dele – está na prevenção e possivelmente na fragilidade do planeamento para as florestas. A maior parte da floresta em Portugal é de propriedade privada. Os especialistas falam da necessidade de maior preocupação. Ainda para mais, eucaliptos não faltam em Portugal e a sua casca é bastante inflamável.

Todos os anos existem notícias da falta de limpeza das bermas das estradas e das florestas. Em 2012, a Autoridade Florestal Nacional distribuiu 3.868.418,84 € para a “prevenção estrutural de incêndios florestais”. Este ano, depois do desastre de Pedrógão, em março, o Governo anunciou investir 14 milhões na limpeza de terrenos florestais e matas nacionais geridas pelo Instituto de Conservação da Natureza e Floresta, a serem aplicados para trabalhos nas zonas prioritárias. Também no Orçamento de Estado estava previsto que as autarquias tinham de assumir a responsabilidade de criar faixas de segurança para prevenir a propagação dos fogos, caso os moradores e empresas falhassem.

Ano após ano falam-se em medidas, em verbas, em prevenção, mas também se falam em incêndios. O incêndio de Monchique deste ano foi alarmante. No entanto, foi-se mais prudente na retirada das pessoas das casas. Em Pedrógão, morreram muitas pessoas a tentar fugir. As cinzas estão presentes na memória daqueles que ficaram. “Depois de Pedrógão, nada pode ficar como dantes”, disse o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. Nada ficou como dantes, mas ainda há um longo caminho a percorrer.

Os serviços de urgência são deficitários e, a meu ver, é muito por má gestão. A falta de pessoal parece-me uma realidade e as verbas fornecidas para a proteção florestal podem não estar a ser usadas da melhor maneira. E depois, quando é preciso, pede-se dinheiro às populações, as pessoas ajudam e há escândalos da sua utilização. E há interesses. Há profissões que ganham com o país a arder. As florestas são uma fonte de riqueza, todos sabemos disso, não é? A aposta no combate é importante, mas também na prevenção. Tomar mais medidas, se for preciso. Ter um controlo maior. Evitar que o desastre aconteça. Para isso são precisos meios. Isso custa, mas também é necessário garantir o bem-estar das pessoas, do mundo e das futuras gerações.

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