A classic Portuguese window framed by vibrant azulejo tiles featuring intricate blue and white patterns.

Como morar no estrangeiro me fez sentir mais portuguesa

Aprendi a olhar para Portugal de uma perspetiva diferente – É mais fácil perceber o que funciona e o que não funciona, o que é bom e o que não é, quando se vive alguns anos num determinado lugar. Nos primeiros anos em que morei no estrangeiro, eu era como uma criança com o nariz colado na montra de uma loja de doces, fascinada com todas as novidades que via. Mas, depois de alguns anos e de ter morado em nove países diferentes, tornei-me mais exigente e crítica, aprendi a distinguir o ‘chocolate fino’ e a identificar aquele que só chama a atenção pela embalagem, mas que, na realidade, não é assim tão bom… Com o tempo, comecei a sentir falta de algumas coisas, simples e boas da vida em Portugal, reavaliando-as e valorizando-as:

Uma boa sardinhada ao ar livre; a espontaneidade com que nos cumprimentamos imediatamente com um beijo (sem receios nem distância); as bolas de Berlim na praia; ir “tomar café” com alguém (e os múltiplos significados que isso tem, para além do café em si); a variedade de sopas (ninguém sabe fazê-las como nós); cantarolar uma música portuguesa em coro com amigos (sem perceber como e quando aprendemos a letra)…

Aprendi a procurar o denominador comum – Quando chego a um país novo, geralmente não falo a língua local, não pratico a religião local, nem faço desporto numa equipa nacional. Para algumas pessoas, isso pode dificultar fazer amizades locais. Mas sendo uma emigrante/expatriada, sei que estou a viver uma situação particular que muitos outros estão a enfrentar, ao mesmo tempo, e no mesmo lugar. Acabei por perceber que esse denominador comum era tudo o que precisava para encontrar um amigo. A empatia no jogo das amizades funciona muito por afinidades culturais, logo, os portugueses, ou alguém que fala a língua portuguesa, tornam-se facilmente os meus amigos preferidos. Como dizia Fernando Pessoa, “a minha pátria é a língua portuguesa”.

Aprendi que a ausência faz o coração bater com mais força, e é esse o verdadeiro significado da palavra, única e exclusivamente portuguesa: SAUDADE – Estar com a minha família apenas algumas vezes por ano faz-me valorizar ainda mais o tempo que passamos juntos. Sim, por vezes é difícil, tanto para mim quanto para eles gerir a saudade, mas a qualidade do tempo que compartilhamos é o que realmente conta. Aproveito com prazer todas as nossas queridas e calorosas tradições portuguesas, do Natal à Páscoa. (E cada vez gosto menos de tradições importadas, como o Halloween)

Gosto muito da palavra “lar”, mesmo tendo caído em desuso, pois vejo nela o sinónimo de abrigo, de um lugar onde a família se reúne e onde as memórias se constroem. Não há nada como voltar ao lar, tem esse toque único de nostalgia e afeto, que torna a casa um lugar especial, porque é onde estão as minhas raízes. Mudar-me para 7000 quilómetros de distância de Portugal, fazer malas, deixando tudo para trás, não é fácil. As raízes são essenciais, pois dão-me confiança e as referências fundamentais para não me sentir perdida. As minhas raízes são, orgulhosamente, portuguesas.

Aprendi a versatilidade portuguesa – Aprendi a guiar do outro lado da estrada, a deslocar-me de bicicleta na cidade e a caminhar com raquetes na neve. Adaptei-me a diferentes modos de vida e, em muitos aspetos, passei a funcionar de forma diferente do que fazia em Portugal. Os navegadores portugueses, nossos antepassados, foram um bom exemplo de versatilidade, eles deram a volta ao mundo abrindo-se a novas experiências.

Passar de uma lisboeta, com manias específicas, para habitante de Ouagadougou, durante 3 anos, no tempo em que ainda não havia whatsapp ou ser uma mãe de família na Índia foram processos de adaptação mirabolantes para mim. Perdi-me durante algum tempo, tentando recriar a minha personalidade. Mas aprendi que posso redefinir-me segundo o que preciso, sem deixar de ser quem eu sou.

Aprendi que há vida para além de Lisboa! – Continuo a acreditar que as minhas duas primeiras décadas, na cidade onde estudei e tive o meu primeiro emprego, moldaram-me na pessoa que sou. Lá fora, senti sempre falta do galão dos cafés de Lisboa, do caldo verde servido ao balcão e da vida noturna lisboeta da minha juventude. Mas agora, mais serenamente, sinto que posso guardar as recordações da minha cidade-berço com carinho e com a compreensão de que, após muitos anos fora, a vida também mudou em Portugal. Talvez os próprios alfacinhas tenham saudades de uma Lisboa que já não existe. Com olhos de “estrangeira”, comecei a descobrir as maravilhas da província e espero que se preserve rica e genuinamente portuguesa, como ainda o é.

Aprendi que o peixe em Portugal tem realmente o melhor sabor do mundo e que tudo o resto é apenas um substituto inferior – Enfim, coisas são só coisas … No estrangeiro em geral não consigo encontrar bom peixe, em contrapartida, consigo encontrar ótimo salmão fumado. A vida de uma expatriada é como uma balança. Há vantagens, desvantagens, coisas boas e más. Há que tentar equilibrar a balança. Nunca quis perder demasiado tempo a lamentar a falta de coisas portuguesas, mas que sempre senti a falta delas, é verdade. Mais do que de coisas, do estilo de vida português. Por isso não incluo na lista os pastéis de nata, porque até na China os encontrei.

Acima de tudo, aprendi que esta “portugalidade” faz parte do meu património e da minha riqueza. É algo que posso empacotar e transportar para qualquer lugar onde more, como parte integrante da minha identidade pessoal.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico

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