É na forma como nos esquecem que se percebe de que são feitos sentimentos.
É na maneira como nos descartam dizendo que já não nos querem que entendemos que não era real tudo o que o outro nos prometeu e em que cegamente acreditamos.
Tantas vezes, não são as palavras que o outro diz que nos acordam, mas sim os pequenos gestos que deixaram de existir, fazendo com que a realidade deixe a nu o avesso do coração daquele a quem entregamos o melhor de nós e que afinal nunca deu valor ao que recebeu.
É quando percebemos que a verdade não está no que os nossos ouvidos escutaram, mas sim na ausência que o coração lê em cada passo que ficou por dar, que damos conta de que afinal sempre caminhamos sozinhos por aquele caminho, onde plantamos o que o outro não tenciona colher. É na distância em que o outro se esconde que está a verdade do que ele sente e que nós não queremos admitir.
A cegueira do amor faz com que procuremos ilusões num monte feito de escarpas sem querermos admitir que ali, naquele deserto, jamais irá florescer a semente do amor.
A simplicidade de quem nos ama é sentida à distância, no brilho dum olhar que nos seduz sem falar e que nos abraça por mais distante que esteja do nosso corpo. E quando o outro olha num rumo diferente do nosso nunca viveremos a magia de nos abraçarem a alma com um sentimento verdadeiro.
Por vezes, alimentamos o que nunca nos irá saciar e viramos as costas ao que nos enche o coração. É como se não quiséssemos ouvir o que a nossa voz interior nos diz e continuássemos a gritar o nome de quem não nos conhece. É assim que nos perdemos do amor e nos vemos sozinhos no meio de uma solidão acompanhada. Fomos nós que fabricamos essa fantasia e agora de nada nos vale a lamentação dizendo que a felicidade não bateu na nossa porta. É quando o frio nos abraça que nos lembramos de detalhes que o outro já esqueceu. É nesse esquecimento que mora a nossa dor, quando ela nos fere com a recordação dos momentos que nos fizeram vibrar com um sentimento que afinal não existia.
Talvez o futuro seja fruto de um qualquer acaso, onde os sonhos se cruzaram com um passado vivido e que tantas vezes tentamos colorir com as cores dum sentimento que não fazia parte daquela história. Foi nesse emaranhado de fios coloridos, onde o sentimento tentou passar desapercebido, que pisamos a ponta do novelo e quase que tropeçamos no nosso destino.
Talvez a Primavera ainda tenha o cheiro do Inverno só para nos obrigar a olhar para as flores e para escutarmos a ave solitária que canta no parapeito da janela sem se lamentar do frio que quase lhe roubou a vida. Talvez a vida nos queira ensinar que o tempo que nos está destinado é pouco para construir todos os sonhos que a nossa mente planeia e que não serão as palavras que escrevemos que irão soltar tudo o que nos dita a alma. A poesia das nossas emoções fará com que o frio das dores fique nesse Inverno que nos pareceu demasiado longo e que agora está a ficar cada vez mais distante.
Quando pararmos para olhar para toda essa imaginação saberemos que os acasos da vida são tricotados pela razão que não conhece o cheiro de uma emoção e nunca provou o sabor daquele amor que não sabemos como esquecer.
Talvez essa imaginação seja o acaso a tentar vencer o corpo onde a história sempre se escreveu com a tinta do sofrimento e onde o sonho foi um mero encantamento para quem respirou passado e sonhou com o futuro. Mas é na forma como nos esquecem que percebemos que poucos nos sabem amar com a intensidade de tudo o que lhes oferecemos, acreditando que existe sentimento na indiferença com que afinal nos trataram.