Eles, elas e o que fica por dizer sobre quem ama mais (e melhor).
Surgiu, há dias, em conversa de café sem filtro, a questão da mensurabilidade e qualidade do amor nos homens e nas mulheres. É um hábito comummente aceite como verdade universal considerar que eles e elas amam de forma diferente. Mito ou ciência?
Nesta dança de afetos e equívocos, os dançarinos, embora talentosos, muitas vezes ensaiaram coreografias diferentes. Ele dá um passo prático — ela espera uma palavra. Ela avança com um silêncio carregado de sentido — ele não reconhece a melodia. Ela lê nas entrelinhas; ele, no literal. Nasce o equívoco.
Por vezes, a pista transforma-se num ringue. Num canto, as mulheres queixam-se da insensibilidade deles, racionais em excesso, avessos a demonstrações de afeto, cegos a pormenores, surdos a desabafos. No outro, os homens apontam o dedo ao sentimentalismo que não sabem decifrar. Elas pedem atenção, gestos, presença. Eles sentem, mas não mostram, esquecem-se de que o amor precisa de ser visível. Talvez seja uma questão de detalhes: para elas, essenciais; para eles, irrelevantes.
Numa pequena provocação estatística, refira-se um estudo da Universidade Nacional da Austrália, publicado na revista Biology of Sex Differences, que mostrou que os homens se apaixonam mais rapidamente e com mais frequência do que as mulheres. No entanto, quando se comprometem, elas demonstram maior intensidade, profundidade e foco emocional.
O homem, por vergonha ou convenção, aprendeu a amar no silêncio, na ausência disfarçada de presença. Ela aprendeu a carregar o amor colado à pele. Amar com palavras, gestos, memórias. Ele ama como quem lavra o mar, impetuoso, sem mapa; ela, como quem navega a terra, atenta, devagar.
Enquanto construção social, a sexualidade tem vivências diferentes. Mas no campo do afeto, será a história tão diferente?
A neurociência entra na equação. Segundo os especialistas, há diferenças químicas e biológicas entre homens e mulheres. O impulso masculino primário é mais visual, remete para o estímulo físico, reflexo de origens ancestrais. Já o feminino é mais auditivo e emocional, pelo que as palavras contam. No amor, isso reflete-se em formas distintas de ligação.
Contudo, tanto o amor masculino como o feminino estão em metamorfose. Homens choram em público, fazem terapia, dizem «amo-te» sem medo da fragilidade. Amor que amadurece. Ao mesmo tempo, mulheres libertam-se da ideia de salvar sempre o amor. Há homens que amam como quem lê poesia em voz baixa; mulheres que se levantam da mesa quando o amor já não as alimenta.
É preciso desaprender estereótipos e preconceitos que nos aprisionam, diminuem e idiotizam. Não se trata de amar mais, ou melhor, mas de amar de forma diferente. O verdadeiro desafio é aceitar o outro sem tentar moldá-lo, compreender as idiossincrasias de cada um, para possibilitar suportar as diferenças e as faltas. Aceitar e compreender que ambos têm necessidades emocionais diversas. A necessidade de amar e ser amado não tem género. O amor romântico é universal.
As mulheres têm servido como espelhos mágicos, refletindo os homens ao dobro do seu tamanho.
Virginia Woolf
Talvez seja bom olharmo-nos ao tamanho real, não como espelhos, mas como janelas.
Nem pista de dança, nem ringue. O amor não é ciência exata, é idioma universal. Com sotaques emocionais distintos. Formas diferentes de traduzir o mesmo desejo: sermos vistos, escolhidos, compreendidos. Encontrar alguém que fale a nossa língua ou que, pelo menos, queira aprender.
Não se trata de saber quem ama mais, ou melhor. Não há medida — há tradução. E cada um traduz o amor como pode, como aprendeu, como ousa.
Este texto foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
O amor é universal, não tem género, cor ou idade. Adorei
Conheço quem até ache que o amor deve ser olhado na sua essência, sem distinguir o filial, fraternal, de amizade ou de paixão. É claro que isto levantaria questões culturais e sociais. Mas, sim, o amor é democrático. 🙂
Grata pelo comentário.
Assim é. Quando não se distingue o amor do prazer do prazer sexual, ele não tem mais por onde se alimentar. É preciso saber dar amor e não apenas o corpo. Homens e mulheres não são incompatíveis, mas se não estiver lá a admiração e o respeito mútuo, a coisa morre. Já para não falar das crises de meia idade. Pura conversa de cota.
Pura conversa de pessoa sábia e interessante. Talvez haja mesmo «uma idade para tudo», mas esta nossa é a melhor. Tem mais vida. 🙂
Grata pelo comentário.