Quem me empata são os não-empáticos!

Há alturas em que, por estarmos mais sensíveis a um determinado tema, tudo à nossa volta nos parece levar a ele ou, de alguma forma, encontrar correlações. Já repararam que quando têm um carro novo, por exemplo, veem todos aqueles, do mesmo modelo, com que se cruzam, na estrada ou nos parqueamentos, mesmo que até aqui não se dessem conta dele? Ou quando estão grávidos (aceito que os pais também o estejam, por solidariedade), e reparam nas barrigudinhas que por aí andam? Isso deve ter um nome, mas desconheço. No entanto é empiricamente válido que ocorre.

Isso pode significar que, por um lado, se é observador, e que por outro, o assunto nos é sensível, não no sentido doloroso do termo, mas apenas na apetência para lhe darmos importância. Sem uma destas características, passaríamos ao lado dos ditos assuntos. O que não é grave, embora desinteressante, se se tratam de coisas corriqueiras ou factuais, mas que tomam outra proporção, essa sim a raiar a gravidade, quando não a beliscá-la rudemente, quando se trata de pessoas.

Obviamente que não temos todos o mesmo nível de sensibilidade geral ou o mesmo grau de sensibilização a determinados temas. Em tempos longínquos, no secundário, eu e alguns colegas tivemos que fazer um trabalho sobre a pobreza,  para a disciplina de Sociologia. Recordo-me que daí ficaram noções como “alvenaria abarracada”, que continuámos a usar com o humor próprio dos adolescentes, e retive factos curiosos  como as famílias a quem lhes foi atribuída casa usarem os tacos do chão como material inflamável nas lareiras. Mas o que mais me marcou, na altura, foi, ao deambular por um bairro carenciado muito próximo do Alto de São João, em Lisboa, ver um homem a retirar comida do caixote e a comê-la prontamente. Não consegui calar um comentário, mas logo alguém me classificou de excessivamente sensível. Talvez. Mas há coisas às quais eu não consigo passar indiferente.

Ultimamente o tema voltou em grande à minha vida. A empatia, esse comportamento que deveria ser tão natural e espontâneo, ganha contornos discutíveis e de análise. Não sou psicóloga, não sei se a empatia é uma característica inata ou se é passível de ser desenvolvida, mas tenho extrema certeza da sua ligação directa à sensibilidade e à capacidade de sair de si, não numa extrapolação umbilical, mas numa observação do outro, sem juízo, sem necessidade de concordância, mas apenas com validação da forma como o outro se sente ou pensa, independente de nós.

A empatia é muito mais do que pôr-se no lugar do outro. É saber lê-lo, naquilo que diz, mas sobretudo no que não diz. É aceitar que o outro pode pensar ou sentir de uma forma que nos é totalmente alheia, mas ainda assim compreender que esta está dependente da sua formatação e experiência. É perceber que tem a sua própria matriz de expectativas. É dar-lhe a possibilidade de ser, sem juízo de valores, compreensivamente. É respeitar o outro, sem que haja no entanto necessidade de identificação com a sua forma de agir. Não se trata de nós, trata-se do outro.

Acredito que a empatia é parte integrante da Inteligência emocional. É uma forma de apreensão do mundo, das pessoas em concreto, e de reconhecer uma realidade diferenciada, e ainda assim percebê-la e apoiá-la, se bem que nem sempre fosse a nossa escolha. É mais do que altruísmo, não se trata de efectivamente anular a nossa perspectiva, que pode ser vocalizada, mas de ser capaz de aceitar o outro nas suas dimensões, ainda que possamos tentar apresentar-lhe outro ponto de vista.

Ser capaz de comemorar com o outro, ainda que o facto nos pareça irrelevante. Ser capaz de lamentar com o outro, embora para nós o facto não nos seja marcante.

Estar disponível para ler o outro e celebrá-lo, parece-me que é das maiores dádivas que um ser humano é capaz.

Em consequência, não consigo compreender a indiferença ao choro alheio, sobretudo se se tratam de pessoas próximas, passando ao largo sem sequer se perguntar: posso ajudar? Assim como também  não percebo  que não se parabenize alguém que está satisfeito por  ter conseguido algo que ambicionava e o faz feliz. Mesmo que ambos os motivos nos pareçam descabidos, ridículos ou insignificantes.

Por isso, não compreendo a frieza, diria mesmo, e perdoem-me o exagero, a frigidez mental ou sentimental daqueles que não são capazes de sofrer ou de se alegrar com a vida alheia.

Talvez a indiferença seja uma defesa, mas a mim soa-me a cobardia, e o que é pior, voluntária, no medo da entrega e da vulnerabilidade. Ou talvez seja uma deficiência mental ou sensorial, na inaptidão de reconhecer o mundo para além de si mesmo.

Eventualmente, poderá ser um autismo ou  um daltonismo, na impossibilidade, por opção ou genética, de ver o arco-íris na sua plenitude.

De qualquer forma, triste. Blue, como diriam os ingleses.

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