A ciganita

– Não dá uma moedinha? perguntava ela na sua voz cantarolada, cheia de inflexões e continuidades. Eu sei ler a mão. E ria, mostrando uns dentinhos pequenos, ainda de leite, muito brancos e virginais, como a sua alma que ainda não conhecia a maldade. A roupa era sem graça, sem cor e já devia ter sido usada por outras raparigas. Ela tocava no braço de quem passava, insistentemente, de modo a conseguir a atenção necessária. Era tão pequenina que quase passava despercebida. Mas a sua voz funcionava ao mesmo tempo do toque. Senhor!

Talvez por lhe acharam piada, pela sua persistência ou pelo boneco em si, uma autêntica bonequinha, davam-lhe a moeda. Ela seguia-os, como uma sombra, inquirindo porque não queriam saber da sua sina. Tem um Manuel e um José na sua vida. Vai ser muito feliz. Vai ter muitos filhos. Ninguém a levava a sério. Deambulava no jardim, junto à paragem do autocarro para apanhar quem saía e assim conseguir segui-los.

– Quem quer saber a sua sina? Com uma moedinha a Laida diz tudo o que sabe. E assim prosseguia, em tom suave e infantil. Corria o passeio de uma ponta à outra como se não houvesse outro local. A sua insistência era única e sorria de maneira tão sincera que era difícil não satisfazer o seu pedido. Ninguém queria saber do futuro. A moeda era para a calar, para não a enxotarem porque ainda era uma criança. Que vida aquela! Onde andavam os pais daquela menina?

Eram filhos do momento, do destino e da tradição. Andavam de um lado para o outro, com a sua carroça e a trupe de filhos que os acompanhavam. Era a única vida que conheciam. Chegavam a uma terra, montavam o acampamento e aí permaneciam o tempo que pudessem, que ninguém os fizesse ir embora. Viviam de expedientes, daquilo que aparecia e, apesar de nada terem, as crianças eram lindas e felizes.

Eram várias, em tamanhos de escadinha e o ventre da mãe já carregava outro. Ela, de tez bem clara, tinha olhos de esperança, simples e venturosos. Cuidava dos seus bens, os rebentos, que a rodeavam a toda a hora. A mais velha, mais alta, era a ciganita, de cara suja e olhos muito vivos. O pai andava à procura do sustento, arrastando a sua veste ancestral e cobrindo-se com o chapéu. Minha senhora, não precisa de ajuda? Aqui o cigano trabalha barato. É para a boca dos meus meninos. E levantava o chapéu ao mesmo tempo que baixava os olhos.

Ela saltitava como se o cansaço nunca a incomodasse. Queres comer pequenina? Perguntou uma voz feminina. Ela abanou a cabeça de vergonha, mas a barriga denunciou-a. A senhora pegou-lhe na mão e levou-a a um café. Estava esfomeada e devorou tudo de uma assentada. Há quanto tempo não comia? Não se lembrava.

– A senhora é tão boa! E arrastava a última sílaba, como todos têm o hábito de fazer. É a sua imagem de marca, a sua ligação à história do mundo e ao deambular por lugares incertos e improváveis. Eu leio a sua sina. E pegou-lhe na mão direita sem que a senhora pudesse recusar. Fez um trejeito, levantou o sobrolho e disse-lhe: É tão boa mas os outros não são. Vejo aqui que vai ter muitas invejas e os outros têm muitos ciúmes. Agarrou-se à mão dela, com força, apertando-a contra o peito.

A mulher ficou sem movimento. O seu olhar ficou parado, talvez viajando no futuro que percebeu que era da cor das roupas da ciganita, pardo e indefinido. A menina fez-lhe uma festa na mão, agradeceu-lhe muito e voltou para a rua. O seu sorriso estava maior e a força do alimento dava-lhe energia. Calcorreava o passeio, de um lado para o outro.

– Quem quer saber o seu futuro? É só uma moedinha. A Laida diz tudo: passado, presente e futuro!

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