Brumandinho: A diferença entre Hillsborough e Mariana

O filósofo brasileiro Mario Sérgio Cortella diz que “não é com os erros que aprendemos, mas com a correção dos erros. O erro não é pra ser punido, é pra ser CORRIGIDO, o que deve ser punido é a negligência, desatenção e descuido”.

Tomemos como exemplo o campeonato inglês de futebol, o mais antigo do mundo.

Hoje, a Premier League é motivo de orgulho para os ingleses, financeiramente muito rentável, transmitida para todo o mundo e é uma das principais montras do futebol.

Contudo, para chegar ao grau de profissionalismo atual, teve de passar por diversas mudanças e a principal delas foi depois de uma das maiores tragédias da história do desporto.

Há 30 anos, no dia 15 de abril de 1989, Liverpool e Nottingham Forest enfrentavam-se na meia-final da Taça de Inglaterra, no estádio Hillsborough. A superlotação de uma das alas do estádio levou à morte de 96 pessoas e acabou por se tornar num marco para a modernização do futebol inglês, pois este incidente foi a gota de água para que os problemas existentes fossem resolvidos.

Lorde Taylor de Gosforth doi designado para conduzir o inquérito sobre a tragédia e as suas conclusões foram apresentadas no que ficou conhecido como o “Relatório Taylor”. As principais causas apontadas para as mortes foram a falha do controlo policial sobre a multidão e a inadequação das instalações do estádio. O relatório sugeriu algumas mudanças, sendo que as principais referiam-se ao facto dos estádios não poderem ter grades ou alambrados para separar o público do campo. Para além disso, todos os espectadores deveriam ter uma cadeira para ver o jogo, enquanto que as áreas onde se via o jogo de pé teriam de ser completamente abolidas.

No fim dos anos 80, a Inglaterra vivia o auge do hooliganismo. Os clubes do país estavam banidos das competições europeias exatamente pelo mau comportamento das claques do Liverpool. A punição deu-se após a final da Taça dos Campeões da Europa de 1985, no estádio de Heysel, na Bélgica, contra o Juventus. Na ocasião, 39 pessoas, a grande maioria italianos do Juventus, morreram imprensados contra um muro depois da confusão criada pelos ingleses.

Curiosamente, em 1989, o Hillsborough era um dos poucos estádios na Inglaterra considerados aptos a receber jogos de grande porte, como era aquela meia-final. Não só pela capacidade (mais de 50 mil pessoas à época), mas justamente por ter alambrado separando torcedores do gramado.

Então, o que acontece, quando um enorme erro não é suficiente para que o corrijamos?

No dia 5 de novembro de 2015, houve um rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração na cidade de Mariana, no estado brasileiro de Minas Gerais. Um desastre de enorme impacto ambiental, abrangendo mais de 200 cidades ao longo do rio Doce e levando a vida de 19 pessoas.

Depois de Mariana, muito se discutiu, mas pouco foi feito. Relembrando a frase de Cortella: “o erro é para ser corrigido e ser punida a negligência, desatenção e descuido”.

Contudo, o erro não foi corrigido, a negligência e desatenção não foram punidas e agora em Brumadinho, cidade do mesmo estado de Mariana, assistimos a outro desastre. Desta vez, centenas de pessoas perderam a vida.

VALE é o nome da empresa que opera ambas as barragens que se romperam no Brasil. Em 2017, Fabio Schvartsman chegou à presidência da empresa afirmando: “Mariana nunca mais!” Assumindo que tragédias como a de 2015 não se repetiriam, mas o que vemos é que os ensinamentos deixados naquela oportunidade não foram aproveitados.

A irresponsabilidade da empresa e a negligência do governo expostas agora com este novo desastre são tão assombrosas que não é crível que um acidente ambiental e humano de tamanha proporção tenha acontecido tão pouco tempo antes. É como se o rompimento da barragem de Mariana não tivesse ocorrido e que deixa claro que este novo desastre não é só mais um acidente, mas, sim, um crime.

Depois de Mariana, o licenciamento ambiental para as operações de mineração, em vez de se tornarem mais rígidas, foram abrandadas. O plano de evacuação e as sirenes de alarme não funcionaram em Brumadinho e o pior é que a fiscalização desses dispositivos é da responsabilidade da VALE, algo que deveria ser feito por uma empresa independente com a supervisão do governo.

Outro ponto discutido depois de Mariana é o método utilizado para resolver os problemas levantados por este acidente. A opção tomada é muito económica por ser simples, mas totalmente inadequada por não ser seguro. Algo agravado pelo facto destas barragens estarem demasiado próximas de vilas e aldeias

Empresas com grandes recursos financeiros, interessadas apenas em lucros, alheias à ética e à vida humana, e governantes alheios a qualquer coisa, interessados em financiamentos eleitorais para se perpetuarem no poder, matam cada vez mais no Brasil.

Enquanto corruptos e corruptores não forem responsabilizados e não tiverem que pagar pelos danos que causam, não estaremos a corrigir e a aprender com os erros.

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