Augusto Abelaira no seu livro O Bosque Harmonioso apresenta-nos a sua obsessão com a escolha das palavras exactas. O autor mostra-se preocupado com o poder performativo das palavras, isto é, a maneira como as palavras definem a comunicação. “As palavras são mágicas e o seu peso verdadeiro não se restringe ao sentido delas, mas ao seu poder percutivo” (ABELAIRA, 1987:52).
A obra tem uma estrutura de diário-romance, com um pendor fragmentário, que apresenta um narrador, em tons melancólicos, que faz reflexões sobre vários temas. Trata-se de um caderno que compara a um “caixote de lixo” onde despeja tudo o que lhe vem à mente, sendo assim um laboratório de escrita.
Nas primeiras entradas, O Bosque Harmonioso apresenta-se como um registo de apontamentos sobre o trabalho biográfico de Cristóvão Borralho. No entanto, no decorrer do livro, verificamos que ao estudar a biografia desse autor o narrador também se estuda a si próprio.
Escrever e publicar uma obra representa para si a oportunidade de existir perante os outros. “Escrever um livro, provocar a curiosidade nos olhos dos outros, um certo respeito.” (ABELAIRA, 1987:22)
A escrita consiste para o narrador num exercício de desabafo, sendo mais fácil para ele escrever do que viver e se relacionar com os outros. “Se ao menos soubesse fazer coisas simples, tivesse um convívio fácil, falasse sobre os pequenos nadas, dançasse até! Não, embora mal, só sei ocupar-me das coisas difíceis – e numa roda de amigos sinto-me incapaz de participar em conversas vulgares, incapaz de pôr as pessoas à vontade, incapaz de me impor como bom companheiro para uma noite bem passada.” (ABELAIRA, 1987:21)
Escrever, para o narrador, é uma fuga à vida material e quotidiana. É através da escrita que se pode mostrar tal e qual como é, sem precisar de véus.
A literatura é o seu veículo de expressão de eleição, uma vez que não consegue afirmar-se na plenitude face aos outros, assim, fá-lo através da escrita, o seu reduto. “E digo escrever porque, ignorante em música ou pintura ou arquitectura ou química, só a literatura me parece acessível” (ABELAIRA, 1987:22).
Ao longo da obra, o narrador utiliza uma escrita intimista que analisa os problemas da comunicação humana, em particular, a sua dificuldade em lidar com as pessoas que o rodeiam por estar demasiado preso a si próprio. É o carácter extremamente racional que o faz refém do “eu”.
Devido à sua perspectiva existencialista, não consegue abstrair-se do seu mundo, para fazer parte do mundo. “Mas a obra dos verdadeiros homens manifesta-se na capacidade de conviver. E eu que não valho nada, não sei conviver, não sei revelar-me através de gestos simples, enfeito-me com penas de pavão. O livro funciona para mim como uma espécie de prótese, a bengala onde me apoio, os tacões que me tornam mais alto” (ABELAIRA, 1987:44).
Ao ler este livro intuitivamente comparei-o à Náusea de Sartre. Têm em comum um narrador que desabafa através de um diário, assim como a acção, que se centra, em ambas as obras, no estudo de uma personagem histórica, que automaticamente reflecte-se no estudo que os narradores fazem de si próprios.
Esta análise constante do “eu” remete para a consciência iminente da contingência, tónica que está presente em geral no Bosque Harmonioso e muito em particular na Náusea de Sartre.