CinemaCultura

Uma Separação

image

Vi Uma Separação em Outubro de 2011, já sabendo dos cinco prémios em Berlim, incluindo o Urso de Ouro e os Ursos de Prata para Melhores Actor e Actriz! Saquei-o no torrent sem nada conhecer do trabalho do cineasta iraniano Asghar Farhadi, e foi o cabo dos trabalhos para encontrar legendas decentes. Não consegui. Assim, no sótão da casa da minha mãe na Marinha Grande, vi Uma Separação antes de estrear em Portugal, falado em persa (no original), no monitor do PC com legendas em inglês, não só desalinhadas com a imagem, como incompletas, encriptadas e desconfiguradas…  (os homens eram she e as mulheres he, ainda que a meio acertassem para baralhar; os pronomes também não eram o forte do tradutor: Where era When e What era How – What are you? – é caso para dizer: What the fuck?), além de erros ortográficos!

Hoje a idade já se encolhe perante tais provações, mas há mais de dez anos, na força dos trinta, ainda me sujeitava a estes sacrifícios para conseguir ver cinema de jeito. Foi com esforço que acompanhei a trama, assentando a história na remoção de camadas e na descoberta do que está por trás; o que nos parece num momento é revirado no momento seguinte, e assim sucessivamente, sendo nós, espectadores, enganados pela ferramenta argumentativa utilizada por Farhadi (posteriormente, ao explorar o seu cinema (About Elly é genial!), notei que, além de escrever sempre os argumentos dos filmes que dirige, utiliza muitas vezes esta técnica). Tinha que ser um grande filme para, ante tantas dificuldades, me manter interessado até ao fim, e ao abrigo de desistências.

Na história sobre um divórcio em Teerão do século XXI, quase nada é o que parece. O filme conta muito mais: como se comportam os seres humanos quando confrontados com situações limite. Como todos somos vulneráveis. Como por vezes tentamos aproveitar os sortilégios da vida em proveito próprio. Como pode valer tudo para nos desvencilharmos de uma situação difícil. Como o lado humano pode conflituar com outrem, sem que haja um bom e um mau. Como a relação com a verdade pode não ser linear. Como uma adolescente aprende a lidar com esse conflito entre verdade e justiça. Como a verdade de uma criança é tantas vezes amoral. Como a religião pode ser boa e má. A nível humano, é um filme poderoso, que valerá a pena rever para apreciar a multiplicidade de emoções expostas, a riqueza cultural de um infortúnio no meio de um drama familiar.

Até o final foi pensado com superior inteligência, não deixando o acessório tomar conta do essencial. No entanto, a expectativa com que ficamos faz-nos “viver” os créditos finais até ao fim. Porque, se o problema relatado no final do filme parece displicente para a história, é no fundo primordial, quer durante os acontecimentos, quer no que representa como consequência dos mesmos.

product-image

Uma Separação

9.5

Quando conhecemos a fundo um conflito, os factos não são o que parecem

O que pensas deste artigo?

3
Adoro
0
Estou in Love
0
Não sei bem
0
É Divertido
António V. Dias
Tendo feito a formação em Matemática - primeiro - e em Finanças - depois - mais por receio de enveredar por uma carreira incerta do que por atender a uma vontade ou vocação, foi no Cinema, na Literatura e na Escrita que fui construindo a casa onde me sinto bem. A família, os amigos, o desporto, o ar livre, o mar, a serra... fazem também parte deste lar. Ter diversos motivos de interesse explica em parte por que dificilmente me especializarei alguma vez em algo... mas teremos todos que ser especialistas?

Deixar Comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.