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Anne Hathaway não é uma princesa, mas poderia sê-lo

Cabelo esgadanhado, óculos pesados a cobrir o rosto, figura um pouco desajeitada a contrastar com uma voz doce e um olhar meigo. Uma rapariga normal que, de um dia para o outro, se vê envolvida numa espécie de conto de fadas do mundo moderno. Estávamos em 2001 e a palavra moderno é tão ambígua que cabe em qualquer lugar. Como que por magia, a imagem de rapariga normal e desajeitada é instantaneamente esquecida e, em vez disso, aparece um rosto belo, simples, limpo – no sentido estético – e uma elegância muito subtil. É Anne Hathaway, nos seus 19 anos, no papel que a catapultou para a linha da frente nas comédias românticas de Hollywood.

The Princess Diaries” – é assim o nome do filme – tem aquela receita básica de que uma bela depilação, uns quantos pozinhos de maquilhagem e um cabelo arranjado fazem maravilhas e são o ponto de partida para uma nova vida, repleta de aventuras românticas. [Nada contra uma bela depilação, uns quantos pozinhos de maquilhagem e um cabelo arranjado, há que acrescentar. ]No entanto, foi após esta personagem que a actriz de Nova York construiu a sua carreira e, também, a sua imagem e reputação.

Anne Hathaway é daquelas celebridades que de tão perfeita – aparentemente, pois não a conhecemos – torna-se um alvo fácil de odiar. Perfeita no sentido em que, para além de bonita e simpática, demonstra sempre um comportamento muito subtil, formal e equilibrado. Não é a única, é certo, mas Hathaway, hoje com 38 anos, tem tendência a distanciar-se de polémicas realmente sérias. E isto, sabendo que os norte-americanos são especialistas em criar atritos desnecessários, é extremamente valioso. O seu ar agradável, a sua postura sensata, calma e formal fazem dela também um alvo fácil para aqueles que não gostam de uma pessoa “só porque sim”.

Já John Oliver, apresentador do “Last Week Tonight”, o disse, em tom de brincadeira: “Halfway through the Obama presidency, I was angrier with Anne Hathaway than I was with any other human being. This is really important: She has never done anything wrong. Remember when she hosted the Oscars and she tried really hard? And we resented her. Then she won the Oscar — she seemed genuinely humbled by the experience — and that just made things a lot worse.

Relativamente à sua carreira como actriz, Anne foi variando. Entre comédias românticas, algumas mais interessantes que outras, destaco os seus papéis mais reveladores em “Brokeback Mountain” (2005), “Les Miserables” (2012), com o qual venceu um Óscar e um Globo de Ouro para Melhor Actriz Secundária, e “Interstellar” (2014), ao lado de Christopher Nolan.

Obviamente não podemos deixar de parte os papéis que desempenhou em “The Devil Wears Prada” (2006), “Alice in Wonderland” (2010) e “The Dark Knight Rises” (2012). Hathaway parece ser daquelas actrizes que consegue um equilíbrio entre a sua vida privada e a vida pública, mantendo sempre uma imagem muito simples e coerente. Não é habitual ouvirmos falar da sua privada ou de alguma polémica realmente séria na qual se tenha envolvido. É habitual, sim, à luz do contexto norte-americano, Anne divulgar alguma informação mais pessoal e gerar alguma polémica, ainda que sem grande importância.

No entanto, a mais recente divulgação um pouco mais séria, em tom de confissão, aconteceu numa entrevista em 2017, quando lhe perguntaram qual teria sido o set de filmagens onde mais tinha aprendido. Hathaway deu uma resposta pouco convencional, ao responder que teria sido durante a rodagem do filme “One Day” (2011), da realizadora Lone Scherfig, onde se questiona até hoje: “Por que é que não conseguiu confiar na realizadora?” E desenvolve: “I’m scared that I didn’t give her everything that she needed or . . . I was resisting her on some level. It’s something that I’ve thought a lot about in terms of when I get scripts to be directed by women.

Efectivamente, neste momento de vulnerabilidade assumida, Hathaway decidiu partilhar o mais difícil, que é a parte em que desconstrói o seu próprio preconceito e faz uma reflexão ao mesmo tempo que questiona o seu comportamento em relação às mulheres realizadoras. Com isto, abre a janela para a discussão mais alargada que é a forma como as mulheres são e têm sido percepcionadas, dentro e fora da indústria cinematográfica. E isso, quer os Americanos queiram quer não, é de louvar.

Claro que existe sempre aquela ideia de necessidade de o público não gostar de alguém só porque sim, sem nenhum argumento que o justifique. No entanto, talvez seja mais fácil criticar Anne Hathaway só porque sim, do que realmente arranjar um argumento consistente para não gostarmos da actriz. No meio de tudo isto, só imagino que, mesmo tendo sido uma história de ficção, Anne Hathaway poderia muito bem ter sido a princesa que interpretou no início da sua carreira.

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