Há uns dias, na RTP Memória, na exibição de uma entrevista dos anos 90, o entrevistado dizia: “O problema dos portugueses é que não vivem, nem deixam os outros viver!” Esta expressão tem-me andado a ecoar na cabeça por estes dias.
Sim, somos especialistas em expressar pomposamente, sem qualquer convite e sem necessitar de incitação, a nossa opinião sobre a vida e as escolhas dos outros. Achamos que temos esse direito e até o sentimos como o contributo social. Sacamos de um “Na minha opinião…” e lá opinamos sobre a roupa que tem vestida, os filhos ou não filhos, a casa, a relação, as escolhas profissionais, o que disse, se está, se não está, etc.
Autodefinimo-nos de consultores da vida alheia e varremos para debaixo do tapete a nossa própria vida.
“na minha opinião fazes bem…”, “eu se fosse a ti….”.
E aqui é que a porca torce o rabo, é que quando o “ti” somos nós, a nossa sabedoria dilui-se, e encontramos muitos particularidades similares que desconhecíamos (e também não procuramos saber) da vida dos outros, que nos fazem tomar decisões e opções que os outros não vão entender (nem têm que o fazer) sobre as quais irão opinar, e sobre a qual até já opinamos no passado contrariamente à nossa ação atual.
É uma espécie de pescadinha de rabo na boca, “eu” penso que… mas faço diferente. Do conforto do meu sofá “eu” tenho uma visão omnisciente a tudo o que se passa fora da minha porta, mas a visão e o discernimento deturpam-se-me quando dou a volta à chave e “me” encolho em consolo fetal dentro das minhas paredes.
É uma característica portuguesa, esta falta de educação e até presunção, de debitarmos conselhos e de dar o nosso parecer pessoal sem que o mesmo tenha sido pedido, de falar sem medir as palavras, de presumir que podemos viver a vida dos outros, quando não estamos no seu corpo, nem no seu espírito, nem sentimos as suas alegrias e dores, desconhecemos as suas pretensões, os seus objetivos e o fio condutor da sua vida.
3 décadas depois desta entrevista, 5 décadas depois do estado democrata, 4 décadas depois do SNS, 2 décadas depois do acesso à Internet, esta ambição de ser opinion maker difundiu-se. Não melhoramos, não aprendemos a respeitar os outros, simplesmente ganhamos formas novas de alargar a nossa voracidade em opinar e de comentar, e de espalhar veneno na vida dos outros.
Como tudo na vida, a tolerância também se pratica e aprende, todos os dias podemos tolerar ouvir o outro e guardar as nossas opiniões para nós próprios. Se o que o outro diz, não me traz danos físicos a mim ou ao meu núcleo mais próximo, eu ignoro-o, não preciso de considerar a sua opinião ou de lhe dar o meu sábio conselho.
Que um dia atinjamos a capacidade de viver as nossas escolhas e, que deixemos os outros viver as suas.