– Ó Felismina, que tempos estranhos estes.
– Nunca os parapeitos destas janelas conheceram tanta conversa.
– Em outros tempos serviam para nos inteirarmos da vida da vizinhança.
– Dito assim parece mal, Augusta. É para manutenção da ordem social cá do sítio.
– Que dizer fino Mina, onde foste tu buscar isso?
– Ouvi no noticiário e achei bonito.
– Agora por conta das notícias, vi uma que falava do sexo nesta altura. Fiquei igual como com o teu dizer, não entendi algumas coisas.
– Interessa que se ache bonito, Augusta.
– Redefinição da intimidade sexual, era assim. Era da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. E deu-me aqui a curiosidade por nossos vizinhos.
– Olha, eu e o meu Alberto não nos damos a isso agora que ele anda apoquentado com isto do bicho, do desemprego, das contas. É muita ansiedade, sabes lá. Ansiedade e reboliços não se dão. Ai, mulher… vai vir fome.
– Já veio Mina, já nem comes.
– Essa foi bem jogada, até me deu festa.
– Ali os da mansão da frente… cá me parece que tem havido festa, e rija.
– Mal seria, não há ali desemprego, nem claustrofobia, nem coisas dessas, Augusta. Se
não se ocupassem um do outro nem valia a pena a mansão.
– Dá lá aí com o cabo da vassoura no teto do João Miguel, a ver se ele se assoma para lhe perguntarmos disto. Ele é moço novo e está por aí sozinho. Inteirei-me por conta da ordem social, não é assim Mina?
– Realmente, que dizer bonito! Oh, coisa profissional. Lá vem ele.
– Ai, os tomates, que é agora? Nem música tenho!
– Não te arrelies que é por conta de um estudo. Tu praticas o sexting?
– A Dona Augusta chamou-me à janela para saber se envio nudes e afins?!
– Ai, João Miguel nem sei que é isso. Li numa notícia o aumento do sexting nesta altura de clausura, principalmente assim nos sozinhos como tu.
– Lá que as novas tecnologias são do melhor nestas coisas são. Ainda dava aqui umas ameixadas de amor na vizinha do segundo esquerdo, mas o bicho levou-lhe uma tia avó e a distância impediu-a de dizer adeus.
– Anda enlutada. Tens de ter paciência, João Miguel.
– E a Dona Felismina ainda lê aqueles livros picantes?
– Como é que sabes dos livros, abelhudo?
– Olhe que isto aqui é colmeia! Vi que emprestou à vizinha Lurdes, o título deu-me graça e pesquisei.
– Maldita internet!
– Não diga isso da Internet, Dona Mina, que a mim têm-me dado jeito que eu não gosto de ler. Então e desfaz-se do amigo livro nesta altura de mais necessidade?
– A generosidade faz-se assim, João Miguel.
– Verdade. Escute Dona Augusta, um dia destes nós dois ainda damos match no Tinder.
– Onde?!
– Não se faça de desentendida! Diz-me a experiência que os que mais fingem não saber são os que mais lá andam. Olhe, a vizinha Lurdes assomou-se. Que anda fazendo?
– Pois, que me tive a pôr bonita, a tomar um banho daqueles e a vestir-me bem. Hoje, janto à luz das velas.
– Estão a ver, minhas senhoras, aqui a Dona Lurdes é que sabe andar nisto, por conta de boas leituras!