Tenho a certeza que o mundo gira e se move ao som de música imperceptível aos nossos ouvidos. Que cada pássaro, cada flor, cada ser humano tem uma melodia própria. Que cada situação, cada movimento, cada acontecimento, em uníssono, completam uma banda sonora que se transmuta em cada fase da nossa vida.
Se as ouvíssemos, a estas deliciosas melodias, talvez tudo fosse mais fácil. Ou talvez, o facto de não as ouvirmos, torna tudo instintivamente mais fluído. Quem sabe sejam as nossas acções, desejos, vontades e sonhos que criem cada nota à medida que avançamos nas nossas vidas.
Neste balanço continuo em que nos movemos, nem sempre fazemos o mais acertado. Muitas das vezes os outros também não são muito correctos connosco. Pelo caminho há mágoas, atropelos, contra-vontades e, acima de tudo, a imprevisibilidade. Mesmo quando pensamos que tudo nos é previsível.
Somos julgados e julgamos, perdemos, desencontramo-nos e não somos ouvidos nem ouvimos os outros. As palavras, essa força motriz de acção da qual a maior parte das pessoas nem se apercebe, são jogadas ao vento. Como alguém já o disse, uma vez ditas sem poderem ser retiradas.
Os desafios são muitos. Assumem formas díspares e contornos marcantes: doenças que se tornam nossas ou de quem amamos, perdas, traições, luto, agressão, medo, medo, medo. Sempre o medo. Também já alguém o disse: ou aprendemos pelo medo ou aprendemos pelo amor.
A banda sonora das nossas vidas é intensa. E quando esmagadora, dói. Dói de verdade. Dói na alma, agita, derruba, abana e fustiga. Dói tão intensamente e sem piedade que nos sentimos sós. Mesmo se tivermos a sorte de termos quem esteja lá para nós. Muitas das vezes sentimo-nos incompreendidos porque nem sequer nos compreendemos.
E quando a vida nos enfrenta assim, cara a cara, olhos nos olhos, que alternativa nos resta? Se de súbito te trava, te obriga a olhar para ela, que fazemos com essa dor, como enfrentamos o que achamos que nos poderá derrubar?
Quando a dor acontece é preciso senti-la. Assumi-la! Se ela te encarou de frente tens de encará-la também. Pode quase destruir-te, pode deixar-te numa prisão contra-vontade, mas é na intensidade do teu olhar e na coragem da tua acção que consegues ultrapassar.
De nada adianta colocarmos a cabeça na areia, não vale a pena fingir que nada se está a passar. Repara, é humano que assim seja. É compreensível que seja difícil admitir, engolir, ter medo. Mas está lá. Não deixa de estar só porque a ignoras. Por isso, se a dor te testa a fibra, pede-lhe que te mostre, por sua vez, quanto é que ela vale.
Mostra-lhe e à vida o quanto acreditas na música que compõem os teus dias, garante-lhe e a ti que nunca se está sozinho e acima de tudo diz-lhe que sabes que a dor pode ser a tua melhor aliada. Para te transformar, para te fazer avançar, para te dar o impulso para uma nova etapa. Não tenhas medo, tira a cabeça da areia e escuta. Todas as notas estão lá para ti.